Para bom entendedor...
Por Antunes Ferreira
JÁ CÁ FALTAVA MAIS ESTA. Sócrates e o seu Governo transformaram-se em bombos de festa, em boa parte por culpa própria. Não estará num momento de auto masoquismo, pois, a sê-lo, estaríamos perante um grupo e o seu chefe caracterizáveis como suicidas. De tanta bordoada com que têm sido mimosiados, poderia passar-lhes pelas respectivas cabeças um novo 18 de Novembro de 1978. O que, como é evidente, não resolveria nada.
Para aqueles a quem a data pouco ou mesmo nada diz, aqui fica a informação resumida. James Warren "Jim" Jones, um Americano nascido em 1931 na cidade de Crete, Indiana, foi o fundador do grupo Templo do Povo, que se tornou sinistro após o suicídio em massa, justamente naquela data, por envenenamento. Por ordem dele e que se verificou na sua isoladíssima colectividade comunitária agrícola conhecida por Jonestown (do nome do fundador), localizada na Guiana. Jones foi encontrado morto com um ferimento de bala na cabeça junto aos 909 corpos dos seus seguidores.
Comparação espúria e incongruente, sublinha-se. Não passa pela cabeça de ninguém uma tal hipótese tsunâmica. Nem uma anedota, aliás despropositada, estaria na sua base. Isto porque, o Executivo, ao completar o terceiro ano de mandato – e apesar das declarações pintadas de cor-de-rosa do primeiro-ministro na sua entrevista à SIC – tem de estar consciente de que a sociedade portuguesa já o olha de viés e poderá sancioná-lo pesadamente em 2009.
Alhear-se de tal possibilidade é autismo. Aguentar os ataques repetidos de que vêm a ser alvos é obrigação dos governantes sejam eles quais forem. No caso vertente, são os chefiados por José Sócrates. Este, por conseguinte, além da carapaça que deve usar, tem de convencer o Povo de que o caminho certo é o que segue. O que é cada vez mais difícil. Não se ignore: o trabalho sujo, alguma vez e por alguém tinha de ser feito. Mas sob riscos tremendos.
Dirá Sócrates que tudo tem executado – e muito tem conseguido – para que Portugal deixe de ser o patinho feio da UE. A enorme melhoria das contas públicas atestam-no, o défice a um nível impensável há três anos exemplificam-no, a presidência portuguesa corroborou-o. Porém, os cidadãos estão em lençois que se podem qualificar de medíocres, para se não chegar aos maus. E o descontentamento é quase geral. E, mesmo assim...
Nós, os Portugueses, somos militantes do mal dizer, queixamo-nos por tudo e por nada, encontramos sempre um bode expiatório para aquilo que não conseguimos fazer – e que é o Governo. Somos assim de há muitos séculos a esta parte, nunca nos soubemos governar, nem queremos ser governados. Este espingardar contínuo está-nos na massa do sangue. Se continuamos a cuspir para o chão ou a atravessar as ruas fora das zebras - é porque sim, e porque não. Civismo, que é dele?
Veio, agora, a SEDES, uma das mais antigas associações cívicas portuguesas, afirmar em comunicado on-line que se sente na sociedade portuguesa «um mal-estar difuso, que alastra e mina a confiança essencial à coesão nacional». Apesar de «nem todas as causas deste sentimento» serem «exclusivamente portuguesas», «uma boa parte são questões internas à nossa sociedade e às nossas circunstâncias». Daí que esse mal-estar, a manter-se, poderá originar uma «crise social de contornos difíceis de prever».O Estado, «a esfera formal onde se forma a decisão e se gerem os negócios do País», tem de abrir «urgentemente» canais para escutar a sociedade civil e os cidadãos em geral. «Os portugueses têm de poder entender as razões que presidem à formação das políticas públicas que lhes dizem respeito». Assim, a sociedade civil pode e deve participar no «desbloqueamento da eficácia do regime - para o que será necessário que este se lhe abra mais do que tem feito até aqui -, mas ele só pode partir dos seus dois pólos de poder: os partidos, com a sua emanação fundamental que é o Parlamento, e o Presidente da República».
O mal-estar sublinhado deve-se a «sinais de degradação da qualidade cívica», como a «degradação da confiança dos cidadãos nos representantes partidários», a «combinação de alguma comunicação social sensacionalista com uma Justiça ineficaz» e o aumento da «criminalidade violenta» e da «insegurança entre os cidadãos». A associação afirma ainda que o Estado tem uma presença asfixiante sobre toda a sociedade «a ponto de não ser exagero considerar que é cada vez mais estreito o espaço deixado livre para a iniciativa privada». Mas, muitas vezes ele «demite-se do seu dever de isenta regulação para desenvolver duvidosas articulações com interesses privados, que deixam em muitos um perigoso rasgo de desconfiança». O comunicado é assinado pelo Conselho Coordenador, do qual fazem parte Vítor Bento (presidente) Alves Monteiro, Luís Barata, Campos e Cunha, Ferreira do Amaral, Henrique Neto, Ribeiro Mendes, Paulo Sande e Amílcar Theias.
A SEDES foi uma das vozes que tentavam criticar o regime salazarento. Granjeou um prestígio que se reconhece. Ainda que não tenha conseguido resultados muito significativos, deu por bastantes vezes, o lamiré para o que estava mal – e muito era. No entanto, cingiu-se sempre ao opinativo, nunca empreendeu acções para concretizar o que defendia. Nela participaram nomes que têm o seu lugar na História, sobretudo na do pensamento filosófico-político.
Depois do 25 de Abril diminuiu a sua intervenção através da crítica, que constituía o seu pecúlio na sociedade. Retirou-se para uma posição sossegada, havendo até quem disse que estava a desaparecer lenta mas definitivamente, por falta de espaço. No entanto, aqui e ali surgia como uma Fénix que renascia episodicamente. Constituíra-se num espécie de «reserva», quem sabe se da Nação... Um tanto letárgica, embora. Ficava-se pelos bastidores, raras vezes vinha à boca de cena e, quando isso acontecia, por papeis secundários.
Decidiu-se, neste momento, pelo protagonismo. E avançou com afirmações contundentes, que deixaram em bastantes bocas amargos a que se tinham desabituado. Naturalmente que os partidos já começaram a reagir face às afirmações feitas. Partidos que, sem margem para dúvidas, foram objecto incontornável do comunicado da SEDES.
Políticos, cujas fotografias pertencem ao álbum subliminar do texto da associação cívica, opinaram já a tal propósito, puxando obviamente a brasa à sardinha de cada um. E tentando, qualquer deles, desde Santana Lopes até António Vitorino, sacudir qualquer água dos capotes. Como se o comunicado não lhes tocasse e eles nada tivessem a ver com ele.
Não admira que assim seja. Como se disse atrás, este nosso País tem peculiaridades especialíssimas. Dizia Pinto Coelho, professor da Faculdade de Direito de Lisboa, nos anos 60, que quando não era possível caracterizar uma situação jurídica... só havia uma saída: rotulá-la de sui generis...
José Sócrates tem de estar, forçosamente, atento aos considerandos e à ferroadas da SEDES. Sem desculpas, se o não fizer; ainda menos se as qualificar com arrogância. Para bom entendedor...
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