27.6.08

A Quadratura do Circo

As horas

Por Pedro Barroso


O TURISTA CHEGA A LISBOA e sorri. O sonho de uma vida satisfeito. Prepara-se para um banho de sol e liberdade. Férias ou negócio, não importa. Estar em Portugal tem uma aura de lazer, de uma certa e pachorrenta modorra. Mesmo nos bussinessmen mais severos, essa conclusão reflecte-se mais tarde ou mais cedo, com um sorriso complacente perante a índole de um país onde tudo se há-de resolver.
Mais ou menos; sem grande rigor e sem pressas. Dando um jeito. Mas há-de.

Após a chegada ao terminal da Portela e recolhida a bagagem, a primeira coisa que um viajante faz é acertar o relógio pelas horas do país. É preciso, é elementar e faz falta para nos inserirmos na realidade local, onde quer que seja.
Talvez por isso, tempos houve em que a Rotunda do Aeroporto - que também se chama justamente Rotunda do Relógio - exibia pois, dois enormes e airosos relógios inseridos na relva, que serviam para tal necessidade elementar.
Depois houve obras e requalificação da Rotunda e outros relógios se seguiram, em pedra, coisa bonita. E durante um tempo funcionaram. Mas hoje experimentem fazê-lo. Ficarão uma hora e cinquenta minutos atrasados, mais ou menos. Ninguém compreende porquê.
Os relógios lindíssimos, obra de meu particular amigo, o grande escultor Francisco Simões, são belos. São sem dúvida, uma ideia bonita de boas vindas, simpática e bem pensada. Só não indicam as horas. Coisa irrelevante, claro.
O Mr Smith pode seguir depois até à Baixa. É um percurso muito provável, digamos. Ver o Rossio, a Rua Augusta, a Avenida, enfim, o Tejo. Conhecer Lisboa, pois claro. Um homem em Lisboa apetece-lhe passear, viver o velho centro da cidade. Ver pulsar a vida das pessoas e das coisas.
Na rua Augusta confirmará uma vez mais que o país não tem horas nenhumas. Que está provavelmente parado. Coisa deduzida do relógio que encima o Arco da referida rua, como já perceberam.
O Mr. Smith vai ficar sintonizado. Visitará talvez, a capital do V Império em Mafra, onde verificará mais do mesmo nos relógios do Convento. E pelo país fora, vai ter oportunidade de verificar durante a sua estadia muitos casos de não funcionamento semelhantes.
Museus fechados. Obras no Verão durante a estação turística. Ausência de WC’s públicos de qualidade. Atraso crónico nos barcos e comboios e aviões. Setas indicando um posto de Turismo, que, afinal, depois, se encontra encerrado. Sinalização de ruas e sentidos enigmática, entre o cuneiforme e o confuso. Por vezes omissa, o que se torna a mais confusa de todas as formas de assinalar… Beira Tejo em obras há dezenas de anos, Cais das Colunas sem Colunas. Torre de Belém com um colar de bolas de plástico gigantes, lindíssima. Passeios no Tejo só até à Ponte Vasco da Gama, pois esqueceram-se de dragar a montante. Isto é – o tabuleiro da ponte subiu e faz uma lindíssima rampa, para que os paquetes passem; mas o leito impede que um simples veleiro de calado mais fundo se possa atrever. Um dia acerta-se isso.
O povo é sereno, disse um especialista.
Observe e divirta-se. Veja os comércios e falências fechando a porta com escritos. Letreiros a dizer Trespassa-se e Vende-se por toda a parte, já reparou, Mr Smith? Entre o parado e o For sale – eis como andamos. E pedintes, gosta? Temos pedintes genuínos, de todas as tácticas e etnias. Condução caótica, desorientada. Buracos na estrada, traiçoeiros, dos bons.
Tanta coisa que havia de remediar e agora ainda por cima, preocuparmo-nos com as horas! Como vê, nem pensar. Espero que a tal estranho facto, claro, já se tenha habituado logo no primeiro dia. À chegada talvez tenha percebido que esta é a latitude zero da normalidade.
No arco da Rua Augusta estarão celebrando, aparentemente, as virtudes dos maiores; mas sem data ou hora certa. O atraso dos relógios que haveriam de ser referência exemplar, ou o seu simples funcionar aleatório, são de resto, isso sim, a normalidade. Tal como no Rossio - uma lindíssima Estação de comboios - onde durante anos se passou o mesmo.
Mr Smith, entenda por favor. Relógios públicos funcionando para quê? O senhor está em Portugal. Somos assim. Aqui não queremos Big Bens para nada. Dava-nos conta do sistema. A coisa não anda, nunca andará bem. Estamos habituados. Já resistimos a tantas crises e incongruências que fariam qualquer país civilizado derrocar e que, para nós, nunca nos vão tirar o sono…
A coisa vai. Não se rale. O abismo, temos garantido. Por isso…
O pessoal quer é férias, o resto é conversa reaccionária. Volte sempre e não ligue. Somos assim. E acerte o seu relógio numa hora e data qualquer. É tudo igual.

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2 Comments:

Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

O que se passa com o relógio do Arco da Rua Augusta (na foto) é curioso:

Ao fim de muitos anos de incúria, foi recentemente reparado e posto a funcionar. Fizeram muito bem, até porque, no local em que está inserido (o "centro do Poder"), havia um certo simbolismo associado a um relógio parado...

No entanto, como o mecanismo é muito antigo, de vez em quando avaria-se.

Até aqui, não há nada de escpecial.
O que é curioso é que a manutenção está ao cuidado de um artífice que tem de ir pedir a chave não-sei-onde, e nem sempre a obtém rapidamente!

De qualquer forma, o relógio, agora, já não "está apenas certo duas vezes por dia" (como sucede com os "parados"). Pelo menos ontem, quando tirei a foto que aqui se vê, estava a funcionar - e bem. Valha-nos isso.

27 de junho de 2008 às 12:53  
Blogger dorean paxorales said...

Na última vez que estive em Lisboa não reparei nos relógios (patrocinados) da Rotunda do Aeroporto mas posso garantir que o relógio do Cais do Sodré, há um par (?) de anos finalmente restaurado, deixou de estar certo.
Há algum departamento da CML que tome conta disto?

6 de julho de 2008 às 18:41  

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