11.4.09

Processar uma opinião é como tentar caçar o vento

Por Ferreira Fernandes
HÁ CERCA DE UM MÊS (a 3 de Março), João Miguel Tavares escreveu uma crónica, neste mesmo espaço que agora ocupo, que começava assim: "Ver José Sócrates apelar à moral na política é tão convincente quanto a defesa da monogamia por parte de Cicciolina."
Na altura, essa primeira frase pareceu-me anzol fracote para engatar leitura. Uma das funções dos primeiros-ministros é mesmo "apelar à moral na política." E sobre José Sócrates, que eu aqui já considerei o melhor primeiro-ministro que tive (aliás, errando, porque me esqueci de Georges Pompidou), não acho que tenha sido feita até agora qualquer prova de que, em matéria de moral em política, ele seja exemplo relevante de faltoso. Sócrates tem legitimidade para apelar, tem.
É também verdade que se fosse eu a falar de "moral na política" não tomava a iniciativa de invocar José Sócrates como bom exemplo. Como não traria à baila Mário Soares, Cavaco Silva e Durão Barroso, para me ficar por esse número redondo que é o três quando se dão exemplos. Tenho-os a todos por razoavelmente honestos em política, mas se há que apontar, prefiro subir a bitola: um Gandhi, um Pierre Mendès-France ou um George Washington que, ainda garoto, porque não podia mentir, confessou à mãe que fora ele que cortou a cerejeira do quintal.
Resumindo: não acredito que tenhamos políticos que não tenham mentido à mãe. Armado desse cinismo que me livra de estar fascinado por algum, só me permito julgar quando tenho provas provadas. Não me parece ser essa a atitude generalizada em relação a José Sócrates, mas também já desisti de emendar o mundo.
Voltando à frase inicial de João Miguel Tavares, achei-a tão vaga que se sustentava na monogamia de Cicciolina, pessoa de quem conheço pouco, estando nesse pouco o seucasamento com Jeff Koons. Se, ao menos, comparasse com Zsa-Zsa Gabor, de quem conheço nove casamentos, convencer-me-ia a continuar a leitura; assim, abandonei-a, o que é raro quando leio João Miguel Tavares, um bom cronista.
Soube, esta semana, que ele foi processado por José Sócrates e por causa da tal crónica. Agora fui lê-la toda. Fiquei a saber que a crónica espelhava-se na frase inicial: "Ver José Sócrates apelar à moral na política é tão convincente quanto a defesa da monogamia por parte de Cicciolina." Isto é, toda aquela crónica é opinião. Opinião. João Miguel Tavares, para quem os apelos de Sócrates à moral na política não são convincentes, di-lo: não são convincentes. Mal seria se não o pudesse dizer.
É pena José Sócrates não me ter pedido a opinião. Eu teria dito ao primeiro-ministro tudo o que há para dizer sobre processar uma opinião: "Essa agora!"
«DN» de 5 de Abril de 2009

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1 Comments:

Blogger AnaMar (pseudónimo) said...

DE passagem , para deixar votos de Páscoa Feliz!

11 de abril de 2009 às 20:50  

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