21.9.09

O último capitão de indústria

Por Joaquim Letria

ULTIMAMENTE tenho visto partir muitos amigos. Alguns recordo-os aqui, outros guardo-os na intimidade dos sentimentos, conforme o que foram e representam, para mim e para os outros.

Verificou-se o desaparecimento, infelizmente há muito anunciado por três dolorosos anos de coma, de José Manuel de Mello, herdeiro da poderosa CUF e primeiro presidente da Lisnave, com o seu estaleiro maior do mundo. Com ele, desaparece o último verdadeiro capitão da indústria de Portugal.

Fomos apresentados por Manuel Figueira nos anos 60. Ver-nos-íamos mais tarde, nos desportos náuticos e, por fim, encontrar-nos-íamos para falarmos de caça e da sua paixão derradeira, os cavalos lusitanos que adorava conduzir e o vinho que produzia na sua herdade. Fazia servir, ao almoço, na salinha contígua ao seu gabinete, os melhores pastéis de bacalhau com arroz de grelos do mundo...

José Manuel de Mello era um homem de acção e de carácter. Quando recomprou a Lisnave depois de anos de exílio após o 25 de Abril, pagando pelas acções que lhe tinham nacionalizado, o presidente do IPE fez aquele elogio bacoco que a gente conhece à cooperação entre o público e o privado e ficou à espera da resposta.

Porém, o “Sr. Mello”, avesso a hipocrisias e protocolos, virou-se para o advogado de que se fizera acompanhar e perguntou, de modo a que todos ouvissem:
-Oh Serra Lopes! De certeza que comprar coisas roubadas não é crime?!

Estava feito o discurso deste cavalheiro da indústria que, quando três economistas ilustres foram soltos depois de estarem dois anos presos pela PIDE, os reintegrou na CUF, para escândalo da ditadura e admiração de muita gente de esquerda com quem discretamente trabalhou.

«24 horas» de 21 de Setembro de 2009

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