27.12.09

Quatro décadas: da mudança à incerteza

Por António Barreto

ERA UM PAÍS FECHADO. Um Estado autoritário. E um povo inculto. Era Portugal do início dos anos sessenta. Pequeno, pobre e periférico. País rural, quarenta por cento da população, mais do que qualquer outro na Europa ocidental. Uma alta natalidade estava na origem da população mais jovem do continente. Uma obscena mortalidade infantil (mais de oitenta por mil) e uma esperança de vida reduzida (sessenta anos para os homens e sessenta e cinco para as mulheres) denunciavam o atraso social e económico. Os horizontes eram fechados, a escola medíocre e insuficiente, a saúde pública quase inexistente, poucos os empregos industriais e a liberdade diminuta. A maior parte dos agregados domésticos não tinha acesso aos serviços públicos de água, de electricidade ou de saneamento. As infra-estruturas eram pobres e ineficazes, as deslocações eram difíceis. Os portugueses viajavam pouco dentro do seu próprio país. O número de analfabetos elevava-se a quarenta por cento da população. Legalmente oprimidas, as mulheres tinham pouco empregos (apenas quinze por cento da população activa), eram mantidas à margem do espaço colectivo e não tinham o mesmo estatuto de cidadania que os homens: viviam e morriam, em maioria, fechadas nas suas vidas domésticas. Era assim que viviam os portugueses há cinquenta anos. (...)

Texto integral [aqui]

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6 Comments:

Blogger Catarina said...

Excelente texto!

27 de dezembro de 2009 às 17:54  
Blogger rsc said...

Concordo com quase tudo excepto ao peso dado na actualidade ao atraso,à pobreza,ao analfabetismo e à falta de liberdade que distinguiram Portugal durante décadas. Por ter atravessado várias gerações, a consequência desse peso a nível da mentalidade (em sentido lato) dos portugueses foi profunda e devastadora e demorará no minimo mais 1 ou 2 gerações a "compor-se".

28 de dezembro de 2009 às 01:34  
Blogger Catarina said...

Por que irá demorar ainda tanto tempo?

28 de dezembro de 2009 às 11:25  
Blogger rsc said...

Pq em terreno árido, as coisas florescem mais lentamente e de forma mais dispersa. É preciso esperar que o que foi florescendo tenha possibilidade de se ir sedimentando para se tornar mais rico e dar-lhe uma consistência sustentada. A nível de uma sociedade pobre, em todos os sentidos, essa consistência demora várias gerações a conseguir. Em 1974 a escolaridade minima em Portugal era a 4ªclasse enquanto que na Alemanha há mais de 20 anos q a escolaridade minima já era o equivalente ao nosso actual 11º ano!(isto não é só instrução, é convivio duradouro, competitivo e socialmente enriquecedor durante muitos anos e com muita gente) Resumindo: há muitos anos q a maioria dos avós, pais, filhos e netos alemães (só um exemplo) têm possibilidade de falar/discutir ao mesmo nível as coisas da vida,desde o quotidiano à cultura...acha que isto já acontece em Portugal?

29 de dezembro de 2009 às 00:01  
Blogger Catarina said...

Concordo quando o sr. António Barreto afirma que “os quarenta anos de ditadura não são mais desculpa nem pretexto.” Este obscurantismo vivivo no passado não deve ser motivo para se ficar de braços cruzados e andar a passo de caracol.
A espera não tem que ser tão longa se se seguir as políticas bem sucedidas de outros países com as devidas adaptações às características da nação portuguesa. Há um certo alheamento por parte da população; dizem os portugueses que tudo está mal; vai-se de mal a pior e, no entanto, muitos não cumprem as suas responsabilidades de cidadania.
Relativamente à escolaridade, é verdade que estivemos e continuamos atrasados relativamente a outros países europeus. Não creio que se tivesse feito muito desde 1974 para que se tivesse diminuido drasticamente a taxa de iliteracia. Se o ensino tivesse sofrido (há muitos anos e a partir de 1974) uma reforma com cabeça, tronco e membros, os bons resultados poderiam ter sido mais rapidamente alcançados.
A carga curricular e uma elevada carga horária em nada beneficiam os jovens durante os seus anos de escolaridade. Quinze disciplinas no sétimo ano? Não serão disciplinas a mais? A extensão da matéria, a falta de programas curriculares alternativos, a falta da adequação dos programas à idade dos alunos; a falta de relação entre a matéria leccionada e a vida prática; falta de condições adequadas em muitos estabelecimentos de ensino; distância, etc, tudo isso irá causar insucesso escolar e , consequentemente, o abandono dos estudos. E outro aspecto do ensino que também em nada beneficia o aluno é a reprovação. Todos sabemos o que uma reprovação pode causar num aluno. Evidentemente, que com todos estes entraves, o processo vai ser muito lento... e não tem que ser! Portanto, o que quero dizer é que se as políticas forem bem elaboradas e executadas o processo de desenvolvimento manifestar-se-á mais rapidamente para o bem de todos.
Como um dos meus familiares costumava dizer: “Vamo-nos deixar de conversa fiada. Arregacem as mangas e toca a trabalhar.” Mesmo sendo o “patrão”, ele dava o exemplo.

29 de dezembro de 2009 às 05:05  
Blogger Nuno Sotto Mayor Ferrao said...

Concordo com grande parte da lúcida síntese de sociologia histórica feita pelo Senhor Professor António Barreto. Faço apenas algumas notas soltas sem nenhuma tese que lhe esteja subjacente:

1. Portugal com a abertura à Globalização desenfreada perdeu-se como país de brandos costumes... como país de "paz interna" do ponto de vista social que continuou a existir após a revolução.

2. A ideia de que o país não tem futuro é como se sabe bem antiga e deriva de um complexo de inferioridade bem típico dos povos ibéricos, pois basta lembrar que os ingleses nos rotulavam no século XVIII como africanos ou por palavras "não civilizados".

3. Tem toda a razão quando fala da existência pela primeira vez na História de Portugal de um "consenso constitucional" aceite por todos os segmentos sócio-ideológicos!

4. Parece-me fundamental como diz que se faça o estudo histórico e sociológico da adaptação dos retornados do Império.

5. A noção de que caminhamos para a vigência de um regime meritocrático a construir é, a meu ver, um ideal utópico das élites tecnocráticas que os autores humanistas não podem aceitar como nos diz José Gil no seu mais recente ensaio do psico-drama existencial português.

6. Subscrevo inteiramente que as folclóricas pedagogias deram um peso excessivo aos aspectos lúdicos, associados à pressão estatística vinda dos relatórios PISA da OCDE, subvertendo a beleza da dignidade docente dado que as aprendizagens só se devem fazer quando os alunos estão motivados! Ora isto significa que se passou a cultivar a pedagogia dos direitos dos alunos e foi esquecida a dimensão global pressuposta no conceito de cidadania para a qual devemos educar os alunos. Há, pois, como o digo, numa das crónicas do meu blogue "O estado do ensino público, básico e secundário, em Portugal: hesitações, contradições e ambiguidades (1970-2009)", inúmeros paradoxos que não permitem o sistema educativo evoluir no nosso país no sentido da qualidade.

7. Concordo, também, com a ignorância larvar que contamina grande parte da sociedade portuguesa.

8. Sem dúvida, que o ideal europeísta permitiu notáveis progressoss no país, mas como diz também gerou desquílibrios graves nos sectores económicos do país, porque nem todos os países podem implementar o mesmo paradigma económico sem se terem em conta as debilidades e as circunstâncias nacionais de cada um.

Em conclusão, mais uma vez o Professor António Barreto presenteou-nos com a sua lúcida análise de síntese de história social a fazer lembrar-nos a escrita de A.H. Oliveira Marques!

Saudações cordiais, Nuno Sotto Mayor Ferrão
www.cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt

23 de janeiro de 2010 às 01:42  

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