14.8.10

O incêndio de Moscovo

VALE a pena ler o que Tolstoi escreveu como explicação para o incêndio de Moscovo (que deflagrou quando Napoleão ocupava a cidade, em finais de 1812), pelas semelhanças com o que sucede com os 'nossos' fogos florestais - especialmente no que respeita ao papel da desertificação.
.
«OS FRANCESES atribuem o incêndio de Moscovo ao patriotismo feroz de Rostoptchine, os russos à selvajaria dos franceses. Na realidade, as causas do incêndio de Moscovo não podem imputar-se concretamente a ninguém. Moscovo ardeu porque se encontrava colocada em tais condições que qualquer outra cidade construída em madeira devia arder de forma análoga, independentemente de poder ou não recorrer às suas cento e trinta bombas. Moscovo devia arder porque os habitantes partiam. Era tão inevitável como a inflamação dum monte de aparas sobre o qual, durante vários dias, caiam faúlhas. (...)»

Texto integral [aqui]

8 Comments:

Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Tolstoi intercala estas linhas, como faz por várias vezes: interrompendo a narrativa ficcional para dar as suas opiniões teóricas, que chegam a incluir leis da Física e até equações para explicar acontecimentos político-militares!

--

Na altura, o desastrado Pedro (conde Bezukov) mete-se às chamas para salvar uma criancinha. Teve de dar muitas voltas para a encontar e, quando regressa, não vê a mãe da criança.
No meio da confusão, vê ainda um soldado francês a roubar um cordão de uma mulher, e intervém.
É preso, e acusam-no de ser pirómano.
Escapa da condenação à morte, mas assiste aos fuzilamentos, pensando que também o vão matar.
Levam-no, depois, como prisioneiro na retirada francesa. E vai vendo como os que caem (e, por isso se atrasam e estorvam) são abatidos.

14 de agosto de 2010 às 19:22  
Blogger R. da Cunha said...

E então quem são os nossos russos ou franceses, que andam para aí a pegar fogos nas matas? Os proprietários (que as abandonaram e, por isso, o ministro quer nacionalizá-las), ou os pirómanos (com negligência ou dolo) que andam por aí à solta, não a fumar cachimbo, mas um cigarrito, ou a fazer umas queimadas? Claro que ficam por justificar os fogos que têm início pela madrugada, mesmo que seja em tempos de lua cheia.
(Creio que "caíram" está bem acentuado).

14 de agosto de 2010 às 20:03  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

R. da Cunha,

Em relação a esta e muitas outras situações, Tolstoi chama a atenção de que elas não decorrem de uma única pessoa nem de um único acontecimento isolado. São antes um acumular de forças que, num tempo curto, convergem para um objectivo, criando uma situação imparável.

-

Quanto ao 'caíam' e ao 'caiam'.

A palavra tem acento se o tempo for o pretérito imperfeito (eu caía/tu caías.../elas caíam).
Mas julgo que o mais correcto, nessa frase, é o presente do conjuntivo (que eu caia/que tu caias/... que elas caiam).

Um dia destes, vejo numa outra tradução.

14 de agosto de 2010 às 20:57  
Blogger R. da Cunha said...

CMR
Lendo de novo a frase, estou de acordo com o "caiam".

14 de agosto de 2010 às 23:19  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Esta edição tem muitas gralhas, que vão aumentando de frequência à medida que a obra se aproxima do fim.

No 3.º volume, então, quase não há páginas sem elas, incluindo nomes de personagens.
Mas as gralhas mais frequentes consistem em letras trocadas, ou repetidas ou em falta.

14 de agosto de 2010 às 23:54  
Blogger Sepúlveda said...

Após quase discordar, concordo com "caiam".

E que dizer dos incêndios no Gerês? Tanto quanto sei, não são propriedades privadas mas parque nacional.
Mesmo que sejam propriedades privadas desarranjadas e com lixo, como é que fogos começam espontaneamente sem haver uma lupa na posição certa para os iniciar? Porque um azar com uma beata pode acontecer num ou noutro sítio, não em centenas ou milhares de fogos.
Tempo quente e seco não incendeia.

As empresas que fornecem meios aéreos de combate a incêndios só lucram com o fogo. Poderão ser uns dos causadores. Não sei que outros grupos se enquadrem. Os media nunca entram por aqui; gostam apenas de mostrar o espectáculo infernal.

15 de agosto de 2010 às 00:26  
Blogger Jack said...

Caro CMR

Na edição que eu tenho, a tradução foi feita da seguinte forma:


«Os franceses atribuíam os incêndios au patriotisme féroce de Rastoptchin; os russos atribuíam-nos à atrocidade dos franceses. No fundo, não havia nem podia haver causas para o incêndio de Moscovo que responsabilizassem estas ou aquelas pessoas. Moscovo ardeu porque foram criadas as condições em que qualquer cidade de madeira arde, independentemente da existência na cidade de cento e trinta bombas de incêndio em mau estado. Moscovo tinha de arder como resultado do abandono dos seus habitantes, e de forma tão inevitável como tem de arder um montão de aparas onde, durante vários dias, caem faúlhas acesas».


Também nesta edição, traduzida directamente do russo, o desastrado conde Bezúkhov surge com o nome de «Pierre».

15 de agosto de 2010 às 02:45  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

RM,


Na Rússia dessa época, as classes mais cultas usavam o francês quase tanto como o russo (ou indiferentemente).

A expressão "patriotisme féroce" está certamente assim no texto original.

Em Anna Karenina, o tradutor da versão que eu li deixou todas essas frases em francês. No final do livro, meteu "notas" com a tradução.

--

Curiosidade:

Contactei durante vários anos com muitos argelinos, cuja língua oficial é o árabe, mas que foram colonizados durante 130 anos pelos franceses.

Mesmo entre eles, usam o francês com muita frequência, por vezes intercalado em frases árabes.

A explicação que me deram é que o árabe evoluiu pouco, não tendo muito do léxico necessário para uma conversa actual.

15 de agosto de 2010 às 08:57  

Enviar um comentário

<< Home