Recordando Carlos de Oliveira
Por Alice Vieira
QUANDO chega Dezembro, começamos a notar que à mesa familiar falta cada vez mais gente.
“Mesa familiar” é, no fundo, a metáfora que usamos para nesta altura abraçarmos um pouco mais os amigos, e ficarmos felizes só pelo facto de eles estarem ao nosso lado.
Mas ao nosso lado vai havendo cada vez mais lugares vagos.
A minha mesa familiar ainda não se habituou às ausências do João Aguiar, da Rosa Lobato de Faria, da Matilde Rosa Araújo, do Raul Solnado, da Mariana Rey Monteiro, todos eles ainda tão dentro de mim.
Mas, de repente, chega-me uma terrível e inesperada saudade de alguém que há muitos anos desapareceu da minha mesa.
Tudo por causa de um programa que a RTP-2 passou, dedicado aos “Grande Livros”.
Naquela noite, o livro era “Uma Abelha na Chuva”, do Carlos de Oliveira.
É um grande romance da nossa literatura, e foi bom recordarmos as imagens do filme do Fernando Lopes, e ouvir falar dele (a Laura Soveral e a sua voz incomparável…)
Mas o que sobretudo me marcou foi o rosto do Carlos de Oliveira — aquele olhar que entrava dentro de nós e nos dizia tudo o que era preciso, aquele sorriso que me recebia sempre, quando eu chegava à sua mesa do “Monte Carlo”.
Ele e o Zé Gomes Ferreira — sempre. Depois às vezes por lá caíam o Abelaira, o Mário Dionísio, tantos outros.
Mas o Carlos e o Zé Gomes eram a minha âncora. E foram a minha verdadeira universidade. Eu, vinte e poucos anos, deslumbrada no convívio diário com gente que nunca pensara vir a conhecer.
E, de repente, quando a revolução de Abril dava os seus primeiros passos, o Carlos de Oliveira morre. De um dia para o outro.
Nunca perdoei ao destino, e acho que aquela geração mais nova que privou com ele nunca mais se recompôs.
Fosse o que fosse que fizéssemos ou escrevêssemos, pensávamos sempre: “o que é que o Carlos dirá disto”.
Ele era o rigor, a coerência, a lucidez em estado puro.
Ele era a nossa consciência moral.
Nunca mais tivemos outra.
.
«JN» de 3 Dez 10
QUANDO chega Dezembro, começamos a notar que à mesa familiar falta cada vez mais gente.
“Mesa familiar” é, no fundo, a metáfora que usamos para nesta altura abraçarmos um pouco mais os amigos, e ficarmos felizes só pelo facto de eles estarem ao nosso lado.
Mas ao nosso lado vai havendo cada vez mais lugares vagos.
A minha mesa familiar ainda não se habituou às ausências do João Aguiar, da Rosa Lobato de Faria, da Matilde Rosa Araújo, do Raul Solnado, da Mariana Rey Monteiro, todos eles ainda tão dentro de mim.
Mas, de repente, chega-me uma terrível e inesperada saudade de alguém que há muitos anos desapareceu da minha mesa.
Tudo por causa de um programa que a RTP-2 passou, dedicado aos “Grande Livros”.
Naquela noite, o livro era “Uma Abelha na Chuva”, do Carlos de Oliveira.
É um grande romance da nossa literatura, e foi bom recordarmos as imagens do filme do Fernando Lopes, e ouvir falar dele (a Laura Soveral e a sua voz incomparável…)
Mas o que sobretudo me marcou foi o rosto do Carlos de Oliveira — aquele olhar que entrava dentro de nós e nos dizia tudo o que era preciso, aquele sorriso que me recebia sempre, quando eu chegava à sua mesa do “Monte Carlo”.
Ele e o Zé Gomes Ferreira — sempre. Depois às vezes por lá caíam o Abelaira, o Mário Dionísio, tantos outros.
Mas o Carlos e o Zé Gomes eram a minha âncora. E foram a minha verdadeira universidade. Eu, vinte e poucos anos, deslumbrada no convívio diário com gente que nunca pensara vir a conhecer.
E, de repente, quando a revolução de Abril dava os seus primeiros passos, o Carlos de Oliveira morre. De um dia para o outro.
Nunca perdoei ao destino, e acho que aquela geração mais nova que privou com ele nunca mais se recompôs.
Fosse o que fosse que fizéssemos ou escrevêssemos, pensávamos sempre: “o que é que o Carlos dirá disto”.
Ele era o rigor, a coerência, a lucidez em estado puro.
Ele era a nossa consciência moral.
Nunca mais tivemos outra.
«JN» de 3 Dez 10
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