Pontal: uma inutilidade
Por Baptista-Bastos
NÃO SE DESCORTINA a ideia que levou Pedro Passos Coelho a escolher o Pontal para a rentrée do PSD. O local foi, em tempos, símbolo de um certo ânimo "laranja" e permitia, inclusive, tomar o pulso ao país político. Também no Pontal se adivinhavam as tensões e as crispações no interior do partido. Os discursos, congestivos e gesticulantes, agitavam as hostes e todos saíam muito contentes. Aos poucos, o símbolo deixou de o ser, apesar dos manifestos esforços, em especial de Mendes Bota, para o fazer ressurgir. Agora, o regresso pareceu-me acabrunhado, a retórica de Passos Coelho vazia de sentido, e o próprio Passos Coelho um homem cabisbaixo, fatigado e, até, um pouco triste.
Os comentadores, nas televisões, bem se esganiçaram para dar lustre a uma festarola a que nem as bandeiras e o som pós-síncrono conferiram a mais escassa emoção. A própria intervenção de Passos Coelho não empolgou ninguém, e o que disse não adiantou nem atrasou nada para apoio do seu projecto. A frase: "Há mais de cinquenta anos que não havia nada de paralelo, no respeitante aos cortes às despesas", é pífia, um pouco desmantelada, e não suscitou aos presentes mais do que pálidas reacções.
Tomemos de mão Oliveira Martins e leiamo-lo: "Os que aconselham e apoiam o primeiro-ministro não procedem por amor à pátria mas somente por se segurarem, escapando ao castigo do crime de encurtarem o nosso património." Averiguadamente, o chefe do Governo, apaixonado pela moda neoliberal, demonstra pouco interesse pelo factor humano. Não sou eu só que o digo. E as obstinadas decisões tomadas, que deixam cada vez mais exaustas e perplexas as camadas pobres da população, denunciam um poder distanciado e inacessível.
Pedro Passos Coelho teve, talvez, no Pontal, a possibilidade de estimular diferenças e esclarecer indignações. Mas, pelos vistos, não o embaraçam as diferenças nem as indignações, simbolizando, assim, um autoritarismo que nem a sua serena afabilidade consegue disfarçar. O que pode encorajar as tendências para a rejeição de um projecto, já de si cheio de remendos e de contradições.
As dificuldades extremas por que o País atravessa, origem indiscutível da nossa infelicidade, exigem não apenas respostas "políticas" como a manutenção da nossa identidade cultural, seriamente ameaçada pela incompreensão do facto. Rodeado de tecnocratas, de "sábios" que não pertencem nem à consciência geral nem à memória da nossa sociedade, o primeiro-ministro pode acentuar uma grave e irreparável decomposição do tecido social. Não basta apelar ao "entendimento" e à "concertação" se não houver leis que recusem o aleatório e defendam a expressão das nossas necessidades.
«DN» de 16 Ago 11NÃO SE DESCORTINA a ideia que levou Pedro Passos Coelho a escolher o Pontal para a rentrée do PSD. O local foi, em tempos, símbolo de um certo ânimo "laranja" e permitia, inclusive, tomar o pulso ao país político. Também no Pontal se adivinhavam as tensões e as crispações no interior do partido. Os discursos, congestivos e gesticulantes, agitavam as hostes e todos saíam muito contentes. Aos poucos, o símbolo deixou de o ser, apesar dos manifestos esforços, em especial de Mendes Bota, para o fazer ressurgir. Agora, o regresso pareceu-me acabrunhado, a retórica de Passos Coelho vazia de sentido, e o próprio Passos Coelho um homem cabisbaixo, fatigado e, até, um pouco triste.
Os comentadores, nas televisões, bem se esganiçaram para dar lustre a uma festarola a que nem as bandeiras e o som pós-síncrono conferiram a mais escassa emoção. A própria intervenção de Passos Coelho não empolgou ninguém, e o que disse não adiantou nem atrasou nada para apoio do seu projecto. A frase: "Há mais de cinquenta anos que não havia nada de paralelo, no respeitante aos cortes às despesas", é pífia, um pouco desmantelada, e não suscitou aos presentes mais do que pálidas reacções.
Tomemos de mão Oliveira Martins e leiamo-lo: "Os que aconselham e apoiam o primeiro-ministro não procedem por amor à pátria mas somente por se segurarem, escapando ao castigo do crime de encurtarem o nosso património." Averiguadamente, o chefe do Governo, apaixonado pela moda neoliberal, demonstra pouco interesse pelo factor humano. Não sou eu só que o digo. E as obstinadas decisões tomadas, que deixam cada vez mais exaustas e perplexas as camadas pobres da população, denunciam um poder distanciado e inacessível.
Pedro Passos Coelho teve, talvez, no Pontal, a possibilidade de estimular diferenças e esclarecer indignações. Mas, pelos vistos, não o embaraçam as diferenças nem as indignações, simbolizando, assim, um autoritarismo que nem a sua serena afabilidade consegue disfarçar. O que pode encorajar as tendências para a rejeição de um projecto, já de si cheio de remendos e de contradições.
As dificuldades extremas por que o País atravessa, origem indiscutível da nossa infelicidade, exigem não apenas respostas "políticas" como a manutenção da nossa identidade cultural, seriamente ameaçada pela incompreensão do facto. Rodeado de tecnocratas, de "sábios" que não pertencem nem à consciência geral nem à memória da nossa sociedade, o primeiro-ministro pode acentuar uma grave e irreparável decomposição do tecido social. Não basta apelar ao "entendimento" e à "concertação" se não houver leis que recusem o aleatório e defendam a expressão das nossas necessidades.
Etiquetas: BB
2 Comments:
A consistencia inteligente, culta, experiente, sensivel do mestre!
Excelente, BB!
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