27.1.12

Palavras

Por João Paulo Guerra

NUMA TARDE calma de Janeiro, na fila para a caixa do supermercado, erguia-se, acima dos ruídos de funcionamento do estabelecimento e dos suspiros dos clientes com a míngua das compras e a alta dos preços, a voz exaltada de uma jovem cliente.

Ia-se embora sem comprar o que queria. O mercado deixara de vender determinadas «bolachas agressivas» que procurava. Ouvi bem, embora não percebesse nada: "bolachas agressivas".

Eu, que em tempos recebi um convite para desempenhar funções de "consultor japonês" em dada empresa, já não devia espantar-me com nenhuma das palavras que as seitas lançam no vocabulário do dia-a-dia. Ainda há dias me contava um luso-angolano, regressado de uma visita a Luanda, que um local lhe explicara que os novos estabelecimentos do Mussulo estavam a registar uma "aderência implacável". Há uma cultura de ouvido, com uma fartura de palavras a cair na fome dos conhecimentos de língua portuguesa.

Mas, como dizia o José Cardoso Pires, «as palavras não entram por acaso no vocabulário das seitas». E a palavra "agressividade" atacou com ímpeto o léxico da economia e da política. E da economia e política à distribuição alimentar é um passo. Os preços são agressivos, não querendo com isso dizer-se que agridam, ataquem ou provoquem o consumidor. São agressivos em termos de concorrência. Será neste item que entram as "bolachas agressivas"? Será que a agressividade das bolachas é comparável ao ímpeto do pastel de nata? Ou será apenas que expressar ideias é das maiores dificuldades dos alunos no moderno sistema do ensino?

Certo é que agressiva, provocante, ofensiva, insultuosa, antissocial, sociopata, hostil, a palavra agressividade entrou no português corrente. Ou será que o fim inevitável de tanta agressividade é que isto acabe tudo à bolachada?
«DE» de 27 Jan 12

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