Como me curei de uma deficiência
Por Ferreira Fernandes
ENTRE
nós, os Jogos Paralímpicos de Londres acontecem sob o manto de pudor,
até poucas fotografias se veem. Ora, se um recorde desportivo é sempre
admirável, que imagem mais forte pode haver que esse conseguimento
alcançado por alguém que tem tudo para não conseguir?
Em 2004, nos JO de
Atenas, durante uma corrida de apresentação de paralímpicos, um atleta
virou a sua cadeira de rodas em frente da bancada de jornalistas. A
cadeira por terra e as pernas deficientes viradas ao céu pareceram-nos
demasiado patéticas, desviámos o olhar e nem coragem tivemos de nos
encarar uns aos outros. Mas alguém endireitou a cadeira e o atleta
continuou a corrida com naturalidade...
Agora, a cobertura entusiástica
dos bons jornais ingleses nos Jogos Paralímpicos de Londres tem-me
curado da piedade despropositada. Também Oscar Pistorius, o sul-africano
das pernas em lâmina, me ajudou. Há um mês, ele foi o primeiro atleta
deficiente a correr nuns Jogos Olímpicos e até chegou às finais de
4x400m. No domingo, nos Jogos Paralímpicos, ele foi vencido nos 200m
classe T44 (amputados das pernas, com próteses) pelo brasileiro Alan
Fonteles. Só a derrota de Pistorius é uma lição de normalidade: aquele
que é uma vedeta entre olímpicos, perde com paralímpico... Depois, houve
a reação do sul-africano: acusou, sem razão, o brasileiro de ter
corrido com próteses ilegais.
Pronto, é oficial: os deficientes são
normais. Até têm o mau perder dos outros.
«DN» de 4 Set 12 Etiquetas: autor convidado, F.F
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