Crónica sobre a moral
Por Baptista-Bastos
O BANQUEIRO Filipe Pinhal, e um vistoso grupo de "quadros" superiores,
resolveram associar-se num objectivo protestatário, e criar os
Reformados Indignados. Pinhal recebe, mensalmente, o equivalente a 14
mil contos (moeda antiga) correspondente aos descontos de que diz ter
sido esportulado durante uma vida de trabalho insano e muito fatigante.
Parece que lhe querem "extorquir", continua ele, uma fatia grossa do
rédito. Disse, também, que não foi à manifestação de 2 de Março "porque
tinha outros compromissos". De contrário, certamente, veríamos o
banqueiro, senão de punho vertical, pelo menos a cantar a Grândola, vila
morena.
Creio que a reforma de Filipe Pinhal está nos ajustes:
ele descontou, é justificado que lhe "restituam" o que despendeu. Tudo
legal. Porém, a ferida está na imoralidade do caso, espelho restituído
da sórdida imoralidade quase generalizada. Para auferir uma reforma
daquele montante, o vencimento que recebia, além dos prémios, das
"surdas", das mordomias várias, já de si era absolutamente imoral, tendo
em conta os ordenados da maioria dos portugueses. Lembro que o
comendador Joe Berardo, criticou, em assembleias do BCP, de que Pinhal
era administrador, os "obscenos vencimentos do conselho de
administração". Dir-se-á: isso é lá com eles. Não é; também é connosco,
porque o facto, extremamente deplorável, pertence à circunstância
portuguesa, confrontada não só com a problemática social como à dúvida e
à decepção permanentes de milhões de nós.
A nossa experiência
democrática tem sido fértil nestas deformidades. O descaso, tido como
"normal", e a abandonada resignação de um povo que deixou de acreditar
na equidade e na justiça, porque vê os corruptos impunes e os jogos de
poder a duas mãos, atiraram-nos, novamente, para a tradicional apagada e
vil tristeza. O princípio da regulação e da harmonização entre os
indivíduos explica o funcionamento social e estabelece os fundamentos de
uma ética, inerente à dimensão do humano. Os exemplos procedentes de
quem os devia dar estão encarquilhados porque fundados numa forma de
reflexão assente no cifrão e na cifra. Se aquele Ulrich, católico e bom
chefe de família, disse o que disse, com despudor e afronta, fê-lo por
se sentir resguardado pelo ar do tempo e pelas condições políticas que
lhe são propícias. A imoralidade cria os seus peculiares padrões e os
seus estipendiados serventuários.
Quando um banqueiro, outro
banqueiro!, o elegante e garboso João Salgueiro (conhecido entre os seus
pares por "aquele que tem mais olhos do que barriga"), se pergunta,
admiradíssimo, porque é que os desempregados não vão limpar as matas, as
coisas podem não ficar mais claras, mas ficamos a saber, com nitidez, a
natureza das estruturas mentais e a extensão ética dos que pretendem
constituir - a nossa "elite."
«DN» de 6 Mar 13 Etiquetas: BB
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