8.3.13

O cardeal de bicicleta

Por Ferreira Fernandes
NO FILME Há Festa na Aldeia (1949), Jacques Tati servia de carteiro, ainda não tinha aperfeiçoado o personagem Monsieur Hulot, o desadaptado ao mundo moderno com que nos maravilhou durante vinte anos. Mas aquele carteiro de aldeia já tinha a marca de água que nos permitiu crismar de "Tati" ou de "Monsieur Hulot" os que sem palavras mostram não pertencer ao mundo que atravessam. 
Esta semana, um Sr. Hulot atravessou de bicicleta a Praça de São Pedro. Os jornalistas (há cinco mil em Roma, a cobrir a espera do novo Papa) caçavam solidéus e capas escarlates, símbolos dos cardeais que não há meio de anunciarem o início do conclave. Mas que mais pode chamar a atenção do que um cardeal - o de Lyon, Philippe Barbarin, francês como Jacques Tati -, todo de cinzento (o que é exclusivo entre as coloridas vestes cardinalícias) e de bicicleta como um carteiro, pasta à bandoleira e boné? 
O cardeal Barbarin se não fez de propósito é um génio nato para sublinhar o papel exclusivo da simplicidade. Na Sala do Sínodo, onde se reúnem desde segunda-feira as Congregações Gerais, tem-se passado o que é inevitável numa instituição tão forte e momentaneamente sem líder: luta pelo poder. O "partido italiano" contra os americanos, os que já estão (cardeais Bertone e Sodano) contra os que talvez venham (brasileiros?), os blocos institucionais contra as surpresas... E, no meio da Praça de São Pedro, o milagre de um cardeal de bicicleta.
«DN» de 8 mar 13

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