O essencial que nas notícias nos escapa
Por Ferreira Fernandes
DIZIA ontem um jornal: "Sabe-se para já muito pouco." Errado, sabe-se quase tudo. O que falta são pequenas circunstâncias, acasos vários, riscos insignificantes na moldura de uma história extraordinária: Emanuel Estevinha trabalhava, aos 82 anos, no turno da noite de um hotel. Alfred Hitchcock, que dormia com um caderninho para apontar sonhos, um dia teve um que lhe pareceu o mais belo. De manhã, leu: "Um homem ama uma mulher." Ele também saberia o que fazer com um bilhete assim, também tão direito ao essencial: "Emanuel Estevinha trabalhava, aos 82 anos, no turno da noite de um hotel." Claro, mestre do suspense, Hitchcock poria umas cenas com a chegada da carrinha do pão ao hotel de duas estrelas, pelas sete da manhã, a porta que ficou aberta enquanto o velho rececionista ia compor o pequeno-almoço dos hóspedes, os ranhosos que aproveitaram para entrar, ignorantes sobre um hotel de hoje não ter dinheiro e o cofre de um de duas estrelas não ter os diamantes da mulher do magnata russo, a pancada por isto ou aquilo, o arrastar do corpo cansado que 60 anos antes foi de um basquetebolista, a mulher da limpeza dando com o colega morto, o espanto dos hóspedes (que começaram por pensar em si próprios) e da pequena multidão que se juntou à porta, na rua estreita de Faro, e alguém, abanando a raiva: "Por 100 euros! Era o que havia no cofre, 100 euros!"...
Pormenores, enfim. Mas a história caberia no bilhetinho de que eu já falei.
«DN» de 16 Abr 13 Etiquetas: autor convidado, F.F
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