26.4.13

Uma citação bem a propósito

Por Ferreira Fernandes
DE UMA nação situacionista - é ouvir a apoteose que acolheu Marcelo Caetano no estádio de Alvalade, semanas antes do 25 de Abril -, passámos para um país citacionista - basta ouvir os discursos de ontem no Parlamento. "Comecei a ver há minutos as comemorações na AR e já ouvi citar Shakespeare, Kant, Jaspers, Habermas, entre outros. Não é por falta de erudição que estamos onde estamos...", escrevia no seu blogue, a quente, Medeiros Ferreira, uma das poucas pessoas que conheço capaz de saber quem foram os muitos ontem trazidos aos discursos. Citar génios misturados em textos nossos é imprudente: traz o risco de que seja notório que o bom do discurso não seja nosso e o que é nosso não seja bom. Dito isto (até a última frase, que citei já não sei de quem), há que dizer que trazer o Henrique V, de Shakespeare, para o debate político português (citação feita pelo deputado Carlos Abreu Amorim) foi particularmente oportuno. Na peça de Shakespeare, como enquadrou o deputado, o rei inglês passeou-se, embuçado, entre os seus soldados, antes de uma das batalhas da Guerra dos Cem Anos - quem mandava, Henrique V, queria conhecer quem ia comandar. Claro, o discurso não apelava para igual truque dos governantes portugueses, mas destapou uma das feridas mais graves da nossa democracia: por vezes é nauseante ver como os de cima ignoram tudo sobre os de baixo.
"DN" de 26 Abr 13

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