A resistência cultural
Por Baptista-Bastos
UMA ONDA de loucura está a assolar Portugal. Ninguém acredita nas
possibilidades de regeneração do Governo, e a presença dos estrangeiros
que o elogiam torna-se numa afronta inqualificável. O que estes
cavalheiros, mandatados por interesses cujo fito é a hegemonia
económica, propagandeiam é a boa consciência da mentira. E o problema
maior, entre todos os grandes problemas que nos afligem, constitui a
aquiescência cúmplice de quem tem por dever repudiar o enredo. O
presidente do Eurogrupo, de nome impronunciável, e é "muito amigo" de
Vítor Gaspar, viajou para Lisboa, a fim de manifestar o aplauso comovido
pelas orientações até agora seguidas, e insistir que continuar com o
"ajustamento" conduzir-nos-á a uma felicidade incomparável. Temos de
empregar todos os meios para precipitar a nossa queda o mais fundo
possível para, mais tarde, acedermos a uma sociedade tão jubilosa como
igualitária.
Este escândalo de se procurar a felicidade pelo
terror "explica-se" pela necessidade de socorrer o capitalismo a
qualquer preço, "custe o que custar", na conclusão brutal de Passos
Coelho. Nada é respeitado, tudo é permitido. O milhão e meio de
desempregados; as 69 mil crianças em iminente perigo; a sonegação aos
fracos rendimentos dos reformados e pensionistas; o êxodo do melhor da
nossa juventude, toda esta criminalidade obedece à mesma lógica de
depredação que obriga um grupo tão importante como o Teatro Aberto, de
grande tradição cultural e ética, a estar ameaçado de fecho. Uma absurda
"grelha de avaliação" colocou a companhia em 39.º lugar, com as
consequências inerentes à perda de apoios, necessários à sua
sobrevivência. João Lourenço, um homem de rara qualidade moral, que já
venceu várias guerras e que testemunhou várias alterações históricas,
veio dizer-nos que ele e o grupo sempre procuraram uma verdade que
justificasse as obsessões do presente e aclarasse a natureza de uma
agressão que fere todos nós.
O encenador evocou as etapas de um
empreendimento generoso, que tem submetido à nossa reflexão alguns dos
grandes temas das sociedades e dos problemas essenciais do homem. A
disponibilidade de João Lourenço em romper com o imobilismo, numa época
em que a decência quase não tem direito de cidadania, corresponde a uma
denúncia da mentira.
A noção de que a colectividade portuguesa
está em escombros tem de encontrar, na resistência de quem recusa a
capitulação, o conforto de uma afirmação de coragem e de dignidade. O
projecto de uniformizar as diferenças e a natureza díspar das nossas
sociedades está em marcha. O Teatro Aberto, tal outros grupos, denegou a
inocência como justificação para a cumplicidade. Não o esqueçamos.
«DN» de 29 Mai 13 Etiquetas: BB
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