11.5.13

O sindicalista com falta de fé nos seus

Por Ferreira Fernandes
O FERNANDO, meu amigo de juventude, ganhava a vida a cantar mal. Em Grenoble, França, ele entrava nos restaurantes e assassinava uma canção de Brassens. Ao fim, perguntava: "Querem outra?" Gente de bom gosto implorava: "Surtout, pas!" (Nem pensar!) E ele estendia o chapéu para que os francos pingassem. "Ou me dás dinheiro, ou..." é um exercício a que os ingleses chamam blackmail, os americanos racket, os sicilianos pizzo, estilos diferentes de extorsão iguais à atuação do meu amigo. Só que a arte do Fernando era também uma lição de etimologia: a palavra chantagem vem do francês chanter, cantar. 
Há dias, Paulo Ralha, presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, quis mostrar-nos que o "ou, ou..." podia ser uma aula de análise social. Assustado com a austeridade, Ralha disse recear que ela diminua a capacidade de resistência dos homens do fisco. Esses funcionários lidando com processos de milhões de euros, o sindicalista avisou: "Depauperar pessoas [os trabalhadores dos impostos] com este poder é sempre um perigo." É, há quem possa cair na tentação... E cortar salários aos enfermeiros pode levar algum a envenenar o familiar de um ministro. E um sargento depauperado pode lançar bombas... 
O porém é este: isso, com crise ou não, será sempre obra dum bandido. Os outros têm um linha, a que podemos chamar honra, que nunca ultrapassarão. O meu amigo Fernando, por exemplo, nunca cantou a segunda canção. 
«DN» de 11 Mai 13

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2 Comments:

Blogger José Batista said...

Um belo texto, com um remate fabuloso. Acabei de lê-lo para a família, no fim do almoço.

11 de maio de 2013 às 14:13  
Blogger Táxi Pluvioso said...

Também pensei nisso, o Governo deve ter acautelado para haver exceções na austeridade.

13 de maio de 2013 às 05:12  

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