Esta Lisboa que eu amo
Por Ferreira Fernandes
FAZ AGORA dez anos. O designer Jorge Silva, alfaiate de jornais e capas de
livros como o outro era marceneiro, apanhou um convite no ar da Câmara
de Lisboa e atirou-se ao mar. Quer dizer, foi à espinha da coisa. Pegou
numa óbvia e vulgar sardinha da Praça da Ribeira, prateada mas humilde,
deitou-a num scanner e scaneou-a toda. Nasceu dali um ovo de Colombo: as
Sardinhas das Festas de Lisboa. Desde então, 2003, quando se aproxima
junho, não há ano em que não me irrite, como me irrita quando pego num
clip: porque não fui eu a inventar esta bela evidência?! Numa cidade
cheia de marcas antigas - a voz de Hermínia, a paixão de um Vasco por
franjas, uma página de Nuno Bragança indo pela noite e pelo riso, uma
colina de Carlos Botelho... -, surgiu um novo símbolo. Com a vantagem
sobre as marcas já referidas, que exigem muito talento, ou sobre outras,
como os corvos, que pedem lendas milenárias, ou as pedras desenhando o
chão, que pedem o lombo dobrado e suor, a sardinha das festas, de tão
simples, deixa-se ser o que o lisboeta quiser. Lisboeta no sentido lato,
porque o Tejo ali ao lado desaguou pelo mundo fora: este ano, houve um
italiano, um japonês e uma chilena entre os dez finalistas, dos 6446
concorrentes. Simples (não me canso de repetir), cauda bifurcada, duas
curvas suaves, um olhinho na ponta, esta marca, trend, moda, tem tudo
para ser sucesso. Ela é o que Portugal devia ser. Simples (já o disse?) e
inteligente.
«DN» de 13 Jun 13 Etiquetas: autor convidado, F.F
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