19.6.13

O verdadeiro tempo das cerejas

Por Ferreira Fernandes
QUANDO eu era novo, havia um belo hino com letra empolgante, "em Londres, em Paris/ Budapeste e Berlim/ tomem o poder...", composto nos anos de brasa, a década europeia de 20. A música é muito boa, de um compositor clássico, o austríaco Hanns Eisler, que ilustrou com a própria vida um dos paradoxos (para não dizer engano) do século: de autor desse hino libertário que apela à vontade dos trabalhadores - embora o nome, O Apelo do Komintern, revelasse quem puxava os fios -, Eisler acabou fã da Alemanha do Leste (para a qual, fez o hino nacional), estado de chumbo e não de brasa. Trajetórias assim tornaram-me imune às grandes ilusões. Levantamentos para dar uma volta a isto tudo deixam-me mais do que indiferente, inquieto, sobretudo quando noto o dedo de outros Kominterns (e por isso nunca me iludi com as Primaveras Árabes). 
De outra loiça me parece ser o que acontece nas Londres, Paris, Budapeste e Berlim modernas, as revoltas em Istambul e nas cidades brasileiras, que me encantam com o seu small is beautiful. Bela parece-me a pequenez das revoltas que não têm projeto de mudar o país ou a sociedade. Querem só algumas árvores, como em Istambul (e na verdade, o que os jovens turcos querem mesmo é ainda mais pequeno e belo: é beijarem-se e beber cerveja), ou, no caso brasileiro, autocarros a preço decente. Essas reivindicações é que são revolucionárias: porque podem ser conquistadas e, se o forem, não nos tomam como reféns.
«DN» de 19 Jun 13

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1 Comments:

Blogger brites said...


O PAI NATAL EXISTE...

20 de junho de 2013 às 09:57  

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