10.6.13

Uma greve grave

Por Carlos Fiolhais
DEIXEI há muitos anos de ser membro de um Sindicato dos Professores (a Fenprof), pois eles achavam que a questão da propina universitária devia ser, nessa altura, a sua questão número um. Era "uma questão estratégica", diziam os dirigentes sindicais, por fazer parte de uma luta política contra o governo de então. Havia obviamente um telecomando sobre os sindicatos e estes nem se importavam que alguns professores como eu abandonassem o sindicato. A questão da propina não dizia, para mim e para muitos colegas, respeito à profissão docente, que não víamos dignificada. E os sindicatos serviam interesses que não eram obviamente os dos professores, até porque não perguntavam a opinião a estes.
Agora o mesmo sindicato, conduzido praticamente pelas mesmas pessoas (não há limitação de mandatos nos sindicatos, pelo que se mantêm nas direcções verdadeiros "dinossauros", que não se lembram decerto do que é dar uma aula) e ao serviço dos mesmos interesses, não encontrou uma outra forma de protestar contra o Ministério da Educação e Ciência do que fazer uma greve aos exames, que sabem trazer directos prejuízos aos jovens e às suas famílias. A convocatória de uma manifestação seria contraprudecente pois seria manifesta a enorme diferença em relação às grandes manifestações contra a avaliação proposta pela ministra Lurdes Rodrigues, uma avaliação sem ponta por onde se lhe pegasse e que causou uma confusão absolutamente desnecessária. Os eternos dirigentes sindicais querem mostrar não que os professores podem fazer bem aos alunos, como seria desejável, mas sim que podem fazer mal. Quaisquer que sejam as razões que invoquem, não se trata de valorizar os professores, mas sim de os diminuir perante os alunos e  a sociedade. Ao dizerem que na educação não há e não deve haver serviços mínimos, estão objectivamente a desprezar o valor da educação de que eles deviam ser os principais defensores. Desvalorizam também os exames, na linha do que defendem algumas ideologias.  A política dos dirigentes sindicais parece ser: quanto pior melhor. E, neste momento, a sua "questão estratégica" é derrubar o governo sem ser através de eleições.

Vivemos tempos difíceis e o governo é responsável por parte dessas dificuldades. Os professores sofrem, como sofrem quase todos os portugueses, devido a acções e omissões de um governo sem rumo, um governo que está manifestamente desorientado perante o falhanço na prática das suas decisões nas áreas financeira, económica e social. Basta metermos as mãos nos bolsos para repararmos que não  temos razões nenhumas para estar contentes com a situação presente do país. Podemos também olhar para o número galopante de desempregados, alguns em situação muito desesperada, e para o número de reformados em dificuldades. Mas, pior do que tudo: não vemos uma luzinha de esperança nestes tempos escuros, por não haver liderança capaz. Nas eleições, o governo saberá a opinião dos cidadãos a respeito da sua acção ou inacção. A chamada "reforma do Estado" está longe de ser consensual e está a ser feita, à pressa e inabilmente, usando eufemismos do "economês" como "requalificação", "mobilidade especial", etc. que não ficam atrás dos eufemismos do "eduquês". Os sindicatos da função pública têm, por isso, todo o direito a fazer greve. Mas a presente greve dos professores, da responsabilidade de dirigentes sindicais irresponsáveis, é grave, por atingir menores de idade, que não têm direito a voto. As crianças e jovens nada fizeram que tivesse causado a crise e têm direito ao futuro sem atrasos. Cabe aos professores acender-lhes uma luz que os ilumine, uma luz que lhes permita um caminho. Os professores são membros de uma das profissões mais nobres por ser portadora de esperança. Não se justifica que prejudiquem a vida dos seus alunos em circunstância alguma. E muito menos que, aqui e agora, a prejudiquem mais do que ela já está com a situação degradada da sociedade portuguesa.
In DeRerumNatura

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3 Comments:

Blogger brites said...


não há greves inócuas, é da sua natureza!
independentemente de alguns erros, os sindicatos são necessários e devem ser apoiados...sobretudo por aqueles que disfrutaram de muitas das suas lutas,sem que os seus vencimentos tenham sofrido com isso!

10 de junho de 2013 às 16:22  
Blogger José Batista said...

Excerto de um texto de Pacheco Pereira, retirado do seu blogue "Abrupto"(http://www.abrupto.blogspot.pt/):

[...] "quem faz greve a sério, escolhe os momentos que mais prejuízo provocam, como fazem os pilotos da TAP, os maquinistas da CP, os trabalhadores dos transportes, os professores, e, numa sociedade civilizada, definem-se os serviços mínimos para impedir a disrupção social para além dos limites do aceitável. Mas os serviços tem que de facto ser mesmo "mínimos", e os prejuízos fazem parte da conflitualidade consentida pela pluralidade de interesses na sociedade.

O que disse atrás não é comunismo, nem socialismo, nem radicalismo, nem fascismo, nem coisa nenhuma acabada em ismo. É o modo como nas sociedades democráticas se defrontam os conflitos sociais e políticos, com custos sociais, mas, se não for assim, é pior. É pior a começar para a democracia, coisa a que cada vez se liga menos."

10 de junho de 2013 às 18:27  
Blogger Escrivão said...

Quando há greve dos médicos, são atingidos milhares de pessoas, desde fetos a recém-nascidos, passando por crianças, jovens adultos e velhos.

Quando há greve dos transportes, idem, idem, aspas, aspas.

Subitamente, quando os professores dos ensinos básico e secundário dizem «Já chega!», quando se propõem lutar pelo direito mais básico, que é o de ter direito a desempenharem a sua profissão, aqui d'el-reio porque os alunos são prejudicados.

De facto, o ideal era fazer greve nos intervalos das aulas, das avaliações e / ou dos exames.

Há coisas que são patéticas e outras nem isso.

P.S. Tenho um filho prestes a realizar exames do ensino secundário.

10 de junho de 2013 às 19:51  

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