31.7.13

O Papa

Por Baptista-Bastos
A VISITA do Papa Francisco ao Brasil, passada a euforia inicial, poderá, acaso, suscitar alguma reflexão sobre as consequências do acto. Aquele país, o maior, católico, da América Latina, perdeu, nas últimas décadas, mais de 40 por cento dos seus fiéis, em favor de outras confissões e crenças. A perseguição de João Paulo II e de Ratzinger à Teologia da Libertação, que propunha uma Igreja do homem e não, exclusivamente, do divino, do dogma e da obediência, pode ser uma das causas desse cisma. O ser humano tem necessidade de transcendência, e o mundo actual, com o desenvolvimento do capitalismo até capítulos violentíssimos, afastou-o do sagrado e dos laços sociais que o justificam. O Vaticano poucas vezes se refere, criticamente, a este estádio do "sistema", que arrasta consigo um cortejo horroroso de miséria, opressão e terror. E a Igreja portuguesa tem-lhe seguido os passos do silêncio.
O Concílio Vaticano II abriu uma luz no hermetismo canónico e o papa João XXIII reergueu os valores de uma Igreja soterrada com a sua própria essência. É uma época fascinante a vários títulos, sobretudo pela discussão aberta que propõe e estimula.
A festa durou pouco. João Paulo II e Bento VI "normalizaram" o que poderia ser considerado apostasia. São dois reaccionários, um dos quais perigosíssimo, por extremamente culto (Ratzinger), que pretendem, e conseguem, comprimir o tempo, de um modo quase patogénico, promovendo a capacidade de cegueira do grupo, que se define como a rejeição do conhecimento e a repulsa pela dissidência. Seja: a servidão em elevado grau.
Este Papa, o seu discurso e a sua conduta parecem desejar outro modo de ser Igreja, recuperando a expressão "revolucionário" para o trânsito das ideias comuns, como necessidade e como urgência. E di-lo e fá-lo com a simplicidade de quem ainda acredita na força de um humanismo redentor. Devo dizer aos meus Dilectos que este Francisco redespertou-me ressonâncias antigas, como as da reflexão colectiva e da releitura daqueles, como Bertrand Russell (Por Que não Sou Cristão), cujo ateísmo ou agnosticismo não dificultou a pesquisa do sagrado para o reencontro com a própria condição.
Claro que há uma diferenciação de percursos, o que não pode, de maneira alguma, impedir-me de seguir o de este homem que tanto entusiasmo e efusão está a despertar. Há dias, na SIC Notícias, ouvi o franciscano frei Fernando Ventura discretear sobre a natureza essencial do que nos une, sobretudo nas dissemelhanças. É esse lado humano, imperfeito e deformado, essa acumulação de opostos, que garante a alma dos valores, e nos permite questionar sobre o Bem e o Mal, e revelar a qualidade muito pouco cristã de certos políticos portugueses, interrogando-nos sobre se o verdadeiro horizonte estará, mesmo, nessa revolução de que o Papa Francisco falou, nas praias de Copacabana?
«DN» de 31 Jul 13

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