O pecado sem perdão
Por Ferreira Fernandes
NÓS TRADUZIMOS o romance To Kill a Mockingbird como Por Favor, não Matem a
Cotovia e não está na diferença do To Kill, matar, para o Por Favor, não
Matem a maior dificuldade do título. O problema, mesmo, foi chamar
cotovia a um mockingbird. A nossa cotovia europeia também canta ao raiar
do dia, mas um mockingbird não é uma cotovia, é um pássaro americano
para o qual não temos nome. A americana Harper Lee escreveu o livro em
1960 e a América vivia anos decisivos do fim legal do racismo. Ela
escreveu um livro sobre uma vilória do Sul onde um negro, falsamente
acusado de violação duma branca, é julgado. O negro será defendido por
Atticus Finch, advogado branco e honesto, o pai da narradora. No começo
do livro, Atticus oferece aos filhos uma espingarda de pressão de ar, e
diz: "Podem matar todos os gaios, mas não um mockingbird." Porque um
mockingbird vive só do canto e é o símbolo da inocência. A perda da
inocência é o pecado sem perdão. O livro teve um sucesso extraordinário e
Harper Lee esgotou-se no seu belo e único romance. Mas, periodicamente,
a América reaparece-nos com os seus crimes raciais que não entendemos.
Como esse da Florida, de um jovem negro morto e o seu assassino perdoado
pelo tribunal. Os americanos podem dizer que não os entendemos porque
não temos mockingbirds. Seja, mas desta vez o crime racial que não
entendemos não é o cometido pelo tipo que deu o tiro, é o de o júri a
inocentar um assassínio.
«DN» de 21 Jul 13 Etiquetas: autor convidado, F.F
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