Albino Aroso (1923/2013)
Por Maria Filomena Mónica
A MINHA RELAÇÃO com os médicos
nunca foi simples. A coisa correu mal desde o momento em que, com o argumento
de ser católico, o meu obstetra se recusou, nos finais de 1964, a prescrever-me a
pílula. Tendo gerado dois filhos em menos de um ano, estava determinada a, pelo
menos, intervalar as gravidezes. A certa altura, tendo descoberto que, em vez
de uma pílula, eu tomava duas por dia – não fosse o diabo tecê-las - uma médica
decidiu que o melhor era trocar a pílula por um dispositivo intra-uterino.
Sucede que me dei mal com a porcaria do filamento de cobre. Voltei à consulta:
que não, que eram manias. Tendo consultado as páginas amarelas, descobri que já
tinha ido a mais de metade dos ginecologistas de Lisboa.
Foi então que o António me falou de
um ginecologista do Porto, o Dr. Albino Aroso. Até então, o meu critério para a
selecção dos médicos consistira na análise dos respectivos c.v., o que fazia
com que, em geral, fosse vista por Professores Catedráticos ou Directores de
Clínica. Estava habituada grandes salas de espera – onde muito se esperava – e
a consultórios recheados de diplomas.
A surpresa foi grande ao entrar no
cubículo onde o Dr. Albino Aroso exercia Medicina. Ouviu a minha história
clínica com uma paciência de santo; depois, expôs os prós e os contras dos
vários métodos; finalmente, disse-me para decidir. Já lá vão muitos anos, mas
lembro-me de ter sido ele próprio a dirigir-se a um pequeno fogão, em cima do
qual estava uma cafeteira amolgada com água a ferver. Tendo em conta que eu já
estava já a tremer – muito sofrem as mulheres! – não posso garantir a
veracidade dos pormenores, mas saí de lá sem o dispositivo.
Filho de um modesto casal de
agricultores de Vila do Conde, este homem que agora morreu aos 90 anos, fora criado
por uma mãe, viúva, que sempre amou e admirou. Após ter acabado a licenciatura,
foi trabalhar para o Hospital de St António, onde ajudou as mulheres que ali
apareciam com complicações provocadas por abortos clandestinos (declarando que,
antes da evacuação do útero, tinham direito à anestesia).
Um conservador e um católico, não
se deixou limitar pela fé. Em 1967, fundava a Associação Portuguesa para o Planeamento Familiar e, dois anos
depois, numa altura em que eram proibidos os contraceptivos, criava a primeira
consulta de planeamento familiar, ao mesmo tempo que argumentava a favor da
descriminalização do aborto. Terá sido advertido que o regime não via tais
actividades com bons olhos, mas não desistiu.
A sua contribuição maior teve lugar
quando foi Secretário de Estado de Leonor Beleza (1987/1991). Foi então que
conseguiu iniciar o decréscimo da taxa de mortalidade infantil: em 1990, ainda
era de 10,9‰, em 2000 passara para de 5,5, sendo hoje de 3,4, uma das mais
baixas do mundo. Nunca teve medo de dizer o que pensava: «Vivemos numa
sociedade em que os homens acham que os ovários e o útero são da Humanidade e
os seios e a vagina são deles». Fez o que de melhor se conseguiu após a
Revolução: protegeu as mulheres e deu saúde às crianças pobres.
«Expresso» de 4 jan 14
Etiquetas: FM
2 Comments:
Escreva mais, por favor.
Reforço o pedido de P. Amorim.
Por favor.
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