7.1.14

Albino Aroso (1923/2013)

Por Maria Filomena Mónica
A MINHA RELAÇÃO com os médicos nunca foi simples. A coisa correu mal desde o momento em que, com o argumento de ser católico, o meu obstetra se recusou, nos finais de 1964, a prescrever-me a pílula. Tendo gerado dois filhos em menos de um ano, estava determinada a, pelo menos, intervalar as gravidezes. A certa altura, tendo descoberto que, em vez de uma pílula, eu tomava duas por dia – não fosse o diabo tecê-las - uma médica decidiu que o melhor era trocar a pílula por um dispositivo intra-uterino. Sucede que me dei mal com a porcaria do filamento de cobre. Voltei à consulta: que não, que eram manias. Tendo consultado as páginas amarelas, descobri que já tinha ido a mais de metade dos ginecologistas de Lisboa.

Foi então que o António me falou de um ginecologista do Porto, o Dr. Albino Aroso. Até então, o meu critério para a selecção dos médicos consistira na análise dos respectivos c.v., o que fazia com que, em geral, fosse vista por Professores Catedráticos ou Directores de Clínica. Estava habituada grandes salas de espera – onde muito se esperava – e a consultórios recheados de diplomas.

A surpresa foi grande ao entrar no cubículo onde o Dr. Albino Aroso exercia Medicina. Ouviu a minha história clínica com uma paciência de santo; depois, expôs os prós e os contras dos vários métodos; finalmente, disse-me para decidir. Já lá vão muitos anos, mas lembro-me de ter sido ele próprio a dirigir-se a um pequeno fogão, em cima do qual estava uma cafeteira amolgada com água a ferver. Tendo em conta que eu já estava já a tremer – muito sofrem as mulheres! – não posso garantir a veracidade dos pormenores, mas saí de lá sem o dispositivo.

Filho de um modesto casal de agricultores de Vila do Conde, este homem que agora morreu aos 90 anos, fora criado por uma mãe, viúva, que sempre amou e admirou. Após ter acabado a licenciatura, foi trabalhar para o Hospital de St António, onde ajudou as mulheres que ali apareciam com complicações provocadas por abortos clandestinos (declarando que, antes da evacuação do útero, tinham direito à anestesia).

Um conservador e um católico, não se deixou limitar pela fé. Em 1967, fundava a Associação Portuguesa para o Planeamento Familiar e, dois anos depois, numa altura em que eram proibidos os contraceptivos, criava a primeira consulta de planeamento familiar, ao mesmo tempo que argumentava a favor da descriminalização do aborto. Terá sido advertido que o regime não via tais actividades com bons olhos, mas não desistiu.

A sua contribuição maior teve lugar quando foi Secretário de Estado de Leonor Beleza (1987/1991). Foi então que conseguiu iniciar o decréscimo da taxa de mortalidade infantil: em 1990, ainda era de 10,9‰, em 2000 passara para de 5,5, sendo hoje de 3,4, uma das mais baixas do mundo. Nunca teve medo de dizer o que pensava: «Vivemos numa sociedade em que os homens acham que os ovários e o útero são da Humanidade e os seios e a vagina são deles». Fez o que de melhor se conseguiu após a Revolução: protegeu as mulheres e deu saúde às crianças pobres.
«Expresso» de 4 jan 14          

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2 Comments:

Blogger P Amorim said...

Escreva mais, por favor.

7 de janeiro de 2014 às 14:15  
Blogger José Batista said...

Reforço o pedido de P. Amorim.
Por favor.

7 de janeiro de 2014 às 22:33  

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