6.1.14

Nunca passei por ele sem dizer "obrigado"

Por Ferreira Fernandes 
O mais dele? A graça, talvez. Quando rematava no ar uma perna era seta apontada, a outra partia-se pelo joelho, colando o calcanhar à coxa, o braço direito prolongava a nuca e o esquerdo atravessava o peito. No campo, essa beleza, só adivinhada. Tal como foi necessária a invenção da fotografia para saber como os cavalos galopam, só no dia seguinte, nos jornais, nos dávamos conta da estatueta bela que ele foi. Mas o mais, o mais mesmo, foi outra coisa: o silêncio. Nos livres, ele punha a bola no chão sempre com solenidade. Recuava muito, como um maestro prevenindo a atenção devida. E o estádio calava. Esse silêncio nunca mais o esqueço... Embora o mais, mesmo, mesmo, talvez fosse a gentileza. A minutos do fim, empatados numa final em Wembley contra o Manchester, 1-1, ele passou por três defesas, entrou na área e disparou. Mas o guarda-redes Alex Stepney fez a defesa da sua vida. Stepney contou, ontem, que ao repor a bola em jogo deu-se conta de uma figura difusa que, a seu lado, o aplaudia - era ele (que não seria campeão por causa daquela defesa). 
Mas se querem saber o maior mais de tudo dele, foi o denodo, o querer. Já o disse: ponham o vídeo do Portugal-Coreia do Norte como disciplina nos jardins-escola, ensinem-nos desde meninos a virar os azares da vida, 0-3, em conquista, 5-3. Depois, há o meu maizinho particular: Eusébio, minha lenda, filho do angolano Laurindo e da laurentina Elisa, tanto mundo, tanto nosso mundo... 
«DN» de 6 Jan 14

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