23.2.14

Estórias e História

Por Ferreira Fernandes 
Estória é brasileirismo pouco comum entre nós e, como jornalista, lamento-o. Tudo que leve os portugueses a descer à rua é bom. Aos jornalistas, é imprescindível. A nós foge-nos o pé para os sapatos Church"s (às minhas colegas é Louboutin). Surge a Casa Pia, e parecemos peritos judiciais. Vem a crise, e somos tu cá tu lá com Paul Krugman. Agora, a Ucrânia fez-nos geopolíticos. Nada de admirar quando a simplicidade de meter golos numa rede de boca aberta, futebol, coisa de se tratar com os pés, por cá é-nos narrada por geómetras citando projeções ortogonais. Estória, palavrinha que vale para respeitarmos a História, deveria entrar mais nas nossas páginas. Se não a palavra, pelo menos o espírito jornalístico da coisa. O próprio dos jornais é falar de pessoas e de factos - e, se formos cultos, relacionar esse terra-a-terra com o grande movimento do mundo. Há dias, no The Times, de Londres, a crónica de Gaby Hinsliff falava duma tia-avó. A velha senhora viveu e morreu com um anel de noivado e fez-se sempre passar por uma daquelas viúvas antes de o ser, que perderam o noivo nas trincheiras da Grande Guerra. Hinsliff, a partir da tia-avó, contou-nos um fenómeno histórico na Grã-Bretanha: foram tantos os machos mortos, que os vivos, ao regressar, puderam romper com as noivas que os esperavam e dar um salto social, para noivas mais cotadas... Pouca coisa? Tomara os históricos congressos das Portas de Santo Antão darem-se mais. 
«DN» de 23 Fev 14

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