A "circunstância" de António Barreto
Por Baptista-Bastos
A
entrevista de António Barreto ao DN, 9. Março, pp, é um documento
caracterizado pela prudência e pelo verbo pausado. Não é de estranhar; a
partir de certa altura da vida, Barreto tornou-se parcimonioso,
deixando à inteligência dos outros o que a sua própria inteligência
desejava divulgar apenas pela metade. É um exercício curioso ler ou
ouvir as injunções do discurso de Barreto, as habilidades malabares, as
zonas sombrias ou reticentes, para ele não dizer o que, talvez,
desejasse. Ou o que de ele se esperava ser dito. Toda a entrevista é uma
espécie de compromisso do não-compromisso, e diz quem o conhece bem que
ele sempre foi assim. Nada de mal. Afinal, António Barreto é detentor
de um percurso intelectual e político comum a muitos homens da geração a
que pertence. Comunista pró-soviético, maoísta, depois conservador,
Reformador (com Francisco Sousa Tavares e Medeiros Ferreira), a seguir
militante do PS, e por aí fora. Não é problema. Só o será quando este
tipo de flutuações influencia negativamente os outros. Cada um que
julgue por si. Barreto escreveu ensaios meritórios e desenvolveu,
finalmente, um importante trabalho de sociologia, na Fundação Francisco
Manuel dos Santos, permitindo o acesso e informações únicas e rigorosas
numa base de dados, Pordata, de utilidade indiscutível. Pelo meio,
desferiu uns golpes mortais na Reforma Agrária, arregimentando uma série
de inimigos e o desprezo dos que haviam confiado na sua integridade.
Na
entrevista a João Marcelino e Paulo Baldaia, diz, e a afirmação serve
de título: "Estamos melhor mas ainda não estamos bem." E, logo-logo:
"Estamos ligeiramente melhor do que há três anos, no estrito sentido de
que parece termos evitado a bancarrota e o pior, de que havíamos de
pagar cem anos (...) As pessoas não estão a viver melhor, ainda estão a
viver pior do que há quatro ou cinco anos, quando só havia a dívida."
Estas
declarações são um modelo da ambiguidade do pensamento de um homem
inquestionavelmente inteligente, cuja voz seria importante aclarar-se,
numa altura em que a confusão é reinante e em que os nossos intelectuais
parece terem deposto as armas da análise, da reflexão e da participação
na vida cívica e política. O vazio da nossa vida cultural e política
atinge sinais inquietantes. Claro que ninguém está amarrado ao seu
passado, mas o passado das pessoas é uma lei de memória que não figura
acima das contingências. Cito o muito citado Ortega: "O homem é ele e a
sua circunstância."
A "circunstância" de António Barreto não devia
ser a adaptação acrítica a esta insignificância dos tempos que correm.
Dizer por dizer não corresponde à dimensão de quem, como ele, em tempos,
arguiu contra a perda de sentido do pensamento e da autoridade na
acção. É pena.
«DN» de 12 Mar 14
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NOTA (CMR): a entrevista a que o autor se refere está disponível no post seguinte (ver link indicado). Etiquetas: BB
1 Comments:
ele convenceu-se que merecia mais
a esquerda caviar, esteja ela onde estiver ,raramente perde de vista a origem e o amor aos mais diversos bens materiais , sociais e espirituais que tem de manter ou resgatar... mais tarde ou mais cedo.
as excepções só confirmam.
mal de quem se iludir.
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