Cegos à mais elementar justiça
Por Ferreira Fernandes
Ontem, 8 de março, foi dia de jogar pedra na Geni. Na verdade, era Dia da Mulher, um dia entre tantos dedicados a comemorações. Na próxima sexta, por exemplo, é Dia do Pi, o número da relação entre o perímetro de uma circunferência e o seu diâmetro, o famoso 3,14... Ontem, calhou à mulher. Os jornais, que são tendencialmente conservadores, trataram a coisa de forma engravatada (nem viram o disparate). E os comentários de rua e de caixas de online foram do desprezo (por que têm elas um dia especial?) ao acinte. Na Ópera do Malandro, Chico Buarque, que ama as mulheres, canta um longo poema sobre Geni. Esta é a prostituta gentil que serve a todos e recebe o grito comum: "Joga pedra na Geni/ Ela é feita pra apanhar/ Ela é boa de cuspir." Um dia, Geni salva a cidade: os que a insultavam foram implorar e ela salvou-a. Se as nações, os países e as cidades dessem mais atenção às libertações e redenções do quotidiano, os livros de História teriam seguramente mais heroínas do que heróis. Mas, no dia seguinte à salvação, já o grito voltava a ser: "Joga pedra na Geni..." Não se entende, vindo de quem percebe o valor dos símbolos (uma bandeira para a Pátria, um grito pelo clube...), a oposição a um dia dedicado à mulher. É não conhecer a história próxima (há 40 anos, só passavam a fronteira com autorização do marido) e as manchetes atuais ("Homem mata Mulher"). É não reparar, no emprego e em casa, quem faz sempre mais por menos.
«DN» de 9 Mar 14 Etiquetas: autor convidado, F.F
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