A nossa vil tristeza
Por Baptista-Bastos
Que
Portugal se espera/ em Portugal?" perguntava, há anos, Jorge de Sena, o
grande poeta do desespero lúcido. Reverto as lembranças para todos
aqueles, como Sena, que interrogavam a pátria, então tão confusa,
dissipada e aparentemente tão alheada como agora. Onde estão, agora, os
que deixaram de estar, desaparecidos na voragem de um país que a
tempestade moral tem dissolvido? Carlos de Oliveira, que também
perguntava: "Acusam-me de mágoa e desalento (...) / homens dispersos", e
de quem falei, anteontem, com Alice Vieira. Disse a minha amiga: "E se a
eles nos referimos, tomam-nos por anacrónicos." Perderam-se,
irremediavelmente, os testamentos legados por aqueles que contribuíram
para que a fisionomia cultural do País não soçobrasse, quando, como
agora, um governo calculado impunha o poder absurdo da infalibilidade e
dos interesses a um povo impossibilitado de reagir? Antigamente, pela
coacção da força e o império do medo; hoje, pelo mesmo medo mascarado de
democracia e por uma "democracia" que há muito perdeu a face e a
dignidade, naturais na sua síntese.
Aos poucos, mas com
perseverante desígnio, têm-nos abolido o direito de perguntar. E a
inflexibilidade das decisões ignora a vergonha, a decência e a própria
noção dos valores republicanos. Aliás, esta súcia trepada ao poder é a
mesma que apagou de comemorações a efeméride do 5 de Outubro; que
ressuscita um morto moral, Miguel Relvas; e que pune um homem sério pelo
"crime" de a ter enfrentado, António Capucho.
A estratégia do
embuste não poupa ninguém. Agora, até a Dr.ª Maria Luís Albuquerque
repete a fórmula segundo a qual estamos melhor do que há dois anos.
Di-lo sem corar nem hesitar. Ela, que parecia cordata no verbo, e
recatada na preservação da identidade pessoal, entrou na dança do
marketing do Governo. A maioria da população está empobrecida sem
remissão; a esmola tornou-se característica oficial; o desemprego
alastra como endemia; os ricos estão cada vez mais ricos, numa afronta
que explica os dez por cento do produto interno bruto que auferiram em
2013; essas fortunas correspondem aos 16,7 mil milhões de euros
distribuídos por vinte e cinco famílias. A insistência nos números da
nossa miséria devia ser uma obrigação moral da imprensa, e não o é. Está
mais do que provado que este Executivo arrasta a pátria para as
falésias, não só por incompetência criminosa como por orientação
ideológica. O Dr. Cavaco vai ao estrangeiro e diz coisas absurdas e
abstrusas, dando cobertura a uma das maiores tragédias sociais que
Portugal tem atravessado. A sua tenaz mediocridade é objecto de
devastadoras anedotas, e o respeito reverencial que o cerca tem impedido
a crítica que se impõe aos seus actos.
"Isto dá vontade de morrer", para lembrar o grito d"alma de Herculano, em hora de desânimo como a de agora.
«DN» de 5 Mar14 Etiquetas: BB
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