Máscara do costume: a chuva miudinha
Por Ferreira Fernandes
Hoje é dia terrível para a sociedade civil. No resto do ano, ainda podemos dizer que o Estado português é que não funciona, que é incapaz de se reformar. Mas chega-se ao Entrudo e, nós, povo, em grupo difuso ou um a um, enfim, os Tóinos e os Alencastres, os canalizadores e os consultores de comunicação, demonstramos ser um caso perdido. A coisa passa-se de forma tão nua que até o Ministério Público era capaz de organizar o processo em três dias (de sábado de Carnaval à Terça-Feira Gorda). A matéria de facto é a seguinte: esta gente dedica-se (gasta dinheiro e trabalho) a preparar cortejos que vão desembocar em um de dois falhanços: o melhor, é serem anulados, o pior, é saírem à rua. De Ovar à Nazaré, de Loulé a Torres Vedras, dois dos maiores motores da vontade humana - o negócio e o prazer - são postos ao serviço de um fracasso, previsível pela chuva miudinha. Isso a montante, nos organizadores. A jusante, nos foliões, um homem mete-se no carro e pela autoestrada do Sul, sai no desvio para Sesimbra e vai fisgado em mamilos e glúteos. Tão fisgado que nem repara que o limpa-vidros vai tão excitado quanto ele. E, em chegando, a tal das duas uma: ou, felizmente, não há cortejo, ou os mamilos estão tapados pelo nosso guarda-chuva.
O FMI não devia ir embora, tinha aqui, na reforma da sociedade carnavalesca portuguesa, boa razão para usar a sua mezinha preferida: o corte radical. Extirpação radical seria ainda melhor.
«DN» de 4 Mar 14Etiquetas: autor convidado, F.F
1 Comments:
Pois, carnaval triste em Portugal é praticamente todos os dias do ano, com excepção do dia de Entrudo. Que também é triste sempre que, estupidamente, se quer imitar o carnaval brasileiro, de que não temos o clima nem as belíssimas mulatas sem vestígios de pele de galinha depenada. E a chuva, quando vem, nesse dia, apenas torna o cenário mais coerente, a rimar com deprimente. No entanto, cheguei a ter a ideia de que o carnaval de Torres Vedras seria uma festa mais vernaculamente entrudesca, porventura, escapando ao ridículo intrínseco e mostrando o humor corrosivo das pessoas.
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