Isto vai acabar mal
Por Ferreira Fernandes
Os
jornais desportivos eram trissemanais - quintas-feiras europeias,
sábado adiantando o campeonato, segunda contando-o - e tinham encontrado
o seu equilíbrio. A meados dos anos 1990, passaram a diário e
empanturraram-nos. Por muito se escrever, nada passou a dizer-se. Então
no verão sem campeonato, o esplendor do deserto: capas ("Injovic certo
em Alvalade!") dedicadas à contratação de desconhecidos que não serão
contratados e continuarão desconhecidos. Quem leu, nos bons velhos
tempos, as pérolas de Carlos Pinhão, n' A Bola, contando com estilo e
tempo, uma criada num hotel de Marselha, encontrada no azar de uma
digressão do Benfica, sabe o que perdeu. Agora que os jornais online
estão a passar à possibilidade técnica de narrar ao segundo, a caça a
tudo estendeu-se a todo o jornalismo e este, aturdido, passou a barata
tonta. Ontem, a edição em espanhol do Huffington Post editou um vídeo de
22 segundos com o Rei Juan Carlos e o ministro de Economia espanhol
Luis de Guindos à espera da patroa do FMI. De pé e braços nas costas,
suas senhorias falam. O Rei: "Esta noite são os Óscares e está a chover a
potes." O ministro: "Faz-lhes falta que chova." Silêncio. O ministro:
"Tenho uma cunhada que mora em Los Angeles." Silêncio. O ministro: "É
mulher de um irmão." O Rei pondera gravemente o que ouviu. Acabaram os
22 segundos.
Não, não temo só pelo jornalismo. As instituições não
aguentam que o povo saiba as alturas por onde pairam.
«DN» de 5 Mar 14 Etiquetas: autor convidado, F.F
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