10.3.14

Prefaciar depois do leite derramado

Por Ferreira Fernandes 
O fim do túnel da troika já se vê e o que se vê não é luz que encante. Mais um aviso: o de Cavaco Silva. No Expresso, o Presidente publicou o prefácio do último Roteiros, balanço e perspetivas anuais do seu mandato. Resumo: o começo do fim vai durar muito e vai acabar mal. Sobre durar muito, ele é taxativo: só nos livramos desta canga lá para 2035. Sobre acabar mal, ele não o diz assim (um Presidente não pode ser tão profeta da desgraça), mas aponta solução agora irrealista: só um consenso de PSD, PS e CDS levantar-nos-ia. Eu estou de acordo com a mezinha (necessária, embora não suficiente), mas duvido da eficácia por causa da... ordem das páginas. A solução é-nos apresentada num prefácio, não é? Pois, não é um prefácio, é um posfácio - e essa é uma das causas da nossa desgraça. Um prefácio escreve-se em páginas antes do assunto do livro, para o iluminar. O livro da nossa desgraça - a nossa crise - deveria ter tido, sim, um prefácio sensato. Dizendo, em 2009, 2010 e 2011, isto: 
A) esta é uma crise global; e: 
B) e é também uma crise especificamente portuguesa, com erros e vícios que sucessivos governos portugueses aprofundaram; e: 
C) a situação é grave e aqueles que a causaram têm o dever nacional de se juntar para nos tirarem dela... 
Infelizmente, ninguém importante disse, então, esse prefácio. Ouviu-se, isso sim, demasiado, a negação de A). E, em vez de B), a demonização de um só governo. Isto é, impediu-se C). 
«DN» de 10 Mar 14

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