31.3.14

O Fim da História

Por Maria Filomena Mónica 
NÃO TENDO a certeza de já ter cometido todos os disparates imagináveis, o Ministério da Educação decidiu acrescentar um novo programa, a que chamou «metas», para a disciplina de História do 9.º ano. Pouco lhe importa que as criancinhas conheçam a Civilização Grega, a Idade Média ou o Iluminismo: o que lhe interessa é que estejam a par das «características específicas do terrorismo global associado ao integrismo islâmico», bem como das «consequências humanas, financeiras e diplomáticas para os EUA do arrastar dos conflitos no Iraque e no Afeganistão».
Como os paizinhos raramente têm paciência para se manter a par do que se passa nas escolas, quero desde já preveni-los: cuidado com as conversas à mesa. À hora da fruta, o filho de 14 anos declara: «Ai, o pai acha que a globalização é boa, porque a mão invisível chega a todos os lados? Não é isso que nos ensinam na escola». O patriarca tenta intervir mas, do alto do seu piercing, o rebento contrapõe: «Mas não percebe que a tal mão favorece os que começaram a guerra do Iraque?».
Infelizmente, continuamos a importar tudo. Como dizia Ega a Carlos da Maia no final de Os Maias, «o legislador ouve dizer que lá fora se levanta o nível de instrução; imediatamente põe, no programa dos exames de primeiras letras, a metafísica, a astronomia, a filologia, a egiptologia, a cresmática (sic), a crítica das religiões comparadas e outros infinitos terrores». Agora, adoptámos a moda do «presentismo». Para os seus adeptos, a História deve estudar o que se passou ontem, ou, quando muito, anteontem; o resto não interessa. Acontece que a essência da História é o tempo e que, desaparecido este, o que o substitui são conversas de café. A este propósito, vale a pena ler a obra de J. Clark, Our Shadowed Present: Modernism Postmodernism and History, um ataque à forma como as ideias pós-modernas, fortemente influenciadas pelo existencialismo francês, contaminaram o ensino. 
Tenho estado a trabalhar com docentes que, sob pseudónimo, para mim redigiram diários. O retrato é deprimente. Eis o que me contou uma professora que lecciona adolescentes: «Falei aos alunos, entre outros, de pensadores como Copérnico, Giordano Bruno, Galileu e Kepler. Para minha surpresa, nem na época histórica os sabiam situar, quanto mais conhecer o seu contributo para a evolução da ciência. Quando lhes perguntei se sabiam quem eram, só a Maria Miguel pediu a palavra: ´O Galileu não é aquele que foi parar à fogueira por ser acusado de corromper os jovens?` A Raquel corrigiu a de imediato: ´Não foi nada. Esse foi um filósofo que eu não me lembro do nome`. ´Foi o Sócrates`, acrescentou a Flora». A Idade de Oiro do ensino nunca existiu, mas reconheço que os exames do Ensino Secundário sob o Estado Novo eram mais bem elaborados do que os de hoje, o que é grave, pois a História se debruça sobre quem somos, de onde vimos e em que país vivemos. Com as novas metas, o Ministério está a contribuir para criar uma geração historicamente amnésica. 
«Expresso» de 8 Mar 14

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