21.6.14

O PAÍS QUE AÍ VEM

Por Guilherme Valente
1. O flagelo do «partido» único das «ciências» da educação que domina o ensino praticamente desde o 25 de Abril, não vitimou apenas os alunos, enganando-os sobre a função da escola e a vida, embotando inteligências e vontades. Atingiu também os professores, instrumentos e vítimas, bode expiatório dos resultados escolares anos e anos a piorar. E contagiou os pais, frequentemente barreira à mudança na educação. Uma manifestação expressiva da situação a que esse flagelo, facilitista e infantilizador, conduziu é a choradeira de muitas mães por causa do suposto stress dos meninos com os exames. Exames de caca, registe-se. 
Muito pelo contrário, o que tem faltado é um mínimo de exigência, de exames a valer. Exames que no estado a que o ensino chegou são instrumento incontornável de regulação e construção da escola, que é natural e desejável induzirem nos alunos e nos professores empenho e preocupação, e mesmo um saudável stress. Professores que é urgente libertar, isso sim, de um outro stress, esse bem nocivo, o da burocracia cretina com que foram sendo asfixiados. Burocracia que este Ministro ainda não... implodiu. E o regime de exames imperativo na nossa escola é, evidentemente, diferente do praticado nas escolas responsabilizadoras de sociedades como o Japão, Finlândia ou Macau, com professores formados a sério e motivados e famílias com outras características culturais. É esta evidência que o especialista da OCDE que recentemente se referiu aos exames em Portugal devia perceber, não esquecendo a sábia asserção de Marx quanto à necessidade da análise concreta da situação concreta. São generalizações dessas que contribuem para perpetuar as desigualdades entre os países, impondo aos mais atrasados um queimar de etapas que só agrava a situação de partida. O que se passou na educação em Portugal é prova disso. Só depois das mudanças introduzidas por Justino e reforçadas por Sócrates se terá manifestado progresso nos resultados dos alunos portugueses nas provas comparativas internacionais. Progressos verificados só depois dessas mudanças, num dos testes com alunos apenas com quatro anos de escolaridade. Depois de em todos os anos anteriores os resultados terem sempre piorado. Bastaram, aliás, uns examezinhos para se perceber que os resultados estão a melhorar. Por isso a agitação da FENPROF, das associações de professores de Matemática e de Português, de associações de pais, que pais? 
2. Mas há outra manifestação assustadora dessa mundivisão posmoderna (com que a nossa velha cultura tão bem se dá) de que a educação que temos tido foi ponta de lança e modelo. Manifestação que os mídia tem reportado com silêncio crítico, como se não se tratasse da obscenidade que na verdade é. Situação de que a exigência e os exames, se persistissem, seriam factor de cura. 
Alguns títulos do Expresso
"Em 2013, pelo menos 5 mil crianças e jovens tiveram pela primeira vez acompanhamento por depressão. Consultas subiram 30%"; "Mil embalagens de antidepressivos e ansiolíticos receitados no ano passado a adolescentes entre os 12 e os 19 anos"; "Bebés também ficam deprimidos. Na Estefânia foram atendidos 20 em 2013"; "É urgente aumentar camas de internamento". 
Para quê as campanhas do Dr. Francisco George? Prevenção da toxicodependência, para qûê? Não está, afinal, em curso uma sementeira para o consumo de todas as drogas?  
Nos anos que aí vêm que País irá ser o nosso? 
"Expresso" de 21 Jun 14

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7 Comments:

Blogger lino said...

É uma pena ver um editor do gabarito do Sr. Guilherme Valente utilizar a palavra "mídia", brasileirismo ignorante importado do inglês "media", plural do vocábulo latino "medium", do qual derivou o nosso "média", substantivo masculino plural com o significado de meios de comunicação.

22 de junho de 2014 às 19:17  
Blogger José Batista said...

Sou pelos exames, obviamente. Sempre fui. Mas, como professor de biologia e geologia, não posso deixar de dar (uma simples) opinião sobre os exames nacionais que têm sido aplicados de há dez anos para cá. As provas são, têm sido, um atentado ao bom português, à lógica, à sensatez, e ao saber claro e simples (mas não facilitista) que devia interessar. E têm sido também um instrumento de negação dos programas que, na parte de biologia, no décimo ano, mais parecem ter sido desenhados para impedir que os alunos aprendam e que os professores possam ensiná-los. Toda a gente sabe isto e toda a gente parece ignorá-lo. A começar pelo "GAVE" que, em vez de mudar, mudou o nome: agora chama-se "IAVE". Nada me admiraria que ainda venha a chamar-se "IRRÉPTIL", tal é o rastejar inútil a que obrigam professores, seja em suposta "formação", ela mesmo prodigiosa no campo do oculto (do tipo: as crianças sós, entre elas, a estudar matemática, podem aprender, dispensando os professores - a sério, isto fazia parte da bibliografia recomendada!), seja na aplicação de critérios que são um insulto à mais elementar inteligência. É caso para perguntar: não se pode pedir às universidades dignas do nome que elaborem os exames nacionais de biologia e geologia?
No mínimo dos mínimos, a equipa que tem elaborado os exames na última década devia ser afastada, porquanto, o divórcio entre o que os professores são obrigados a leccionar, aplicando os programas, é tremendo e não é compatível com a tipologia de provas que têm sido feitas.
Depois de amanhã, à hora do exame, lá estarei para verificar se alguma coisa mudou desde o ano passado. Possibilidade em que não acredito.

No resto, embora sem conhecer o que terá dito o tal "especialista da OCDE", e discordando de que Sócrates e a sua incompetente ministra da educação, agora muito activa, tenham feito bem ao sistema de ensino público, acompanho o pensamento de Guilherme Valente.
O nosso ensino, para 60-70-80% (?) dos nossos jovens é uma desgraça. Conhecida, consentida e estimulada. Também lhe podíamos chamar crime continuado. Sobretudo se pensarmos nas crianças mais pobres.

22 de junho de 2014 às 19:37  
Blogger José Batista said...

Corrigenda: Onde escrevi: "o divórcio entre o que os professores são obrigados a leccionar"... devia ter escrito: "o divórcio com o modo como os professores são obrigados a leccionar"...

22 de junho de 2014 às 19:43  
Blogger José Batista said...

Corrigenda II: Ora bolas!, o exame nacional de biologia e geologia não é depois de amanhã, é depois de depois de amanhã, dia 25.
Esta coisa de escrever em quadradinhos pequeninos textos mais ou menos longos, associada à minha fraca visão, faz com que seja preciso fazer correcções atrás de correcções, e fica sempre algo por corrigir...
As minhas desculpas.

22 de junho de 2014 às 22:50  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Resposta de Guilherme Valente ao comentário de José Baptista:

«Estou de acordo consigo, o ministro está desde o início rodeado quase apenas por pessoas que, de algum modo, estão todas formatadas pelo eduquês, mesmo que alguma possa pensar que já não está e não queira mesmo estar. Esse foi e é o maior obstáculo a que o ministro tenha agido e possa agir como sempre defendeu que se devia agir na Educação. E , até serão, algumas delas, pessoas provavelmente bem intencionadas até, mas gente que também pelas suas, digamos, características pessoais, ele não devia ter escolhido.

Assim, não tenho qualquer dúvida, ele só quer concretizar boas ideias, mas, tenho de o reconhecer (embora me custe muito), a concretização tem sido, muito frequentemente, digamos, algo insatisfatória. -- e, como a expectativa era e é muita, percebo que algo decepcionante.

Enfim, tenho também de reconhecer, que muitos professores (que sempre partilharam as nossas críticas e apoiaram as nossas ideias e acharam que compreendíamos as suas angústias) considerem. Estar perante uma grande oportunidade que se não está a ser perdida (porque se indicaram os caminhos, se abriram alguns e houve muitos avanços concretos na direcção certa), está a ficar, no entanto, aquém do que poderia (ainda poderá?) ter sido.

Quanto à sua observação sobre Sócrates (e refiro-o sempre a ele, não a MLR) refiro-o porque ele não acabou com os poucos exames introduzidos pior Justino ( também muito tímido nas mudanças que introduziu) , e fez sempre declarações a reconhecer a sua necessidade. E defendeu os cursos profissionais, e colocou, finalmente, directores nas escolas. Suponho que ele percebeu onde estava o problema, e que, com outros ministros, teria ido mais longe. Preocupo-me em ser justo e talvez isso faça com que, por vezes, seja ingénuo,mas prefiro assim.

Quanto aos directores, a legislação que regula o seu estatuto, acaba por anular em parte a vantagem da sua existência. Deviam depender, responder, perante o ministro. Porque é o ministro que tem responder perante o País. Os Directores deviam ter que executar a orientação e as directivas dos ministros, criticando-as e propondo a sua valorização , mas internamente. Se essa orientação, no limite, se chocasse com a sua consciência, só tinham que se demitir, como deve acontecer em qualquer outra alta função directiva do Estado. Ora, o que aconteceu é que directores há, nem todos, claro, que passaram a ser correias de transmissão de partidos e lobbys, fazendo declarações públicas que considero intoleráveis na sua função, tornando-se em mais um obstáculo na mudança imperativa na educação. Outros - muito à maneira da nossa velha cultura. do nosso velho Estado -- "incharam", como incham sempre quase todos os ministros e secretários de Estado, ridiculamente, porque, evidentemente, são todos eles apenas Servidores Públicos (civil servants, na expressiva expressão anglo-saxónica, et pour cause ...), isso é que é são e nisso deviam ter orgulho, o orgulho de cumprirem bem.

Enfim, meu caro Amigo José Baptista, o País está lichado. Como se vê e sofremos.»

24 de junho de 2014 às 09:24  
Blogger José Batista said...

Meu caro Amigo Guilherme Valente,

Tenho-o por um Homem justo e bom, que teve sempre a coragem e a lucidez de pôr o dedo na ferida.
Uma ferida enorme que dá sobretudo cabo das possibilidades dos meninos mais pobres, mas também não ajuda os outros e limita muito o desenvolvimento do país.
O que diz sobre os directores é, também na minha opinião, certeiro. acontece que a orgânica de constituição do poder na escola não é adequada. Por exemplo, um órgão como o "conselho geral", que tem aos olhos dos professores um prestígio comparável ao da assembleia da república perante os portugueses, não raro entretém-se em guerras intestinas, com motivações partidárias ou de "capelinhas", quando o que interessa nas escolas não é ideologia partidária ou a acção interesseira de grupos, mas antes a função técnica do ensino e da pedagogia. Talvez aquele órgão ou uma estrutura equivalente devesse extinguir-se logo que empossada a direcção, que então passava a responder perante a tutela, a inspecção (digna do nome, que agora as inspecções são muitas vezes feitas a pedido das próprias escolas, para obterem certas avaliações, para o que chegam a alugar floreiras e motivos decorativos e preparam grupos de alunos, professores e funcionários para constituírem os chamados "painéis" com que a "inspecção" trabalha...) e a comunidade.
A escola não está bem. A avaliação dos professores é uma mistificação sem crédito. A indisciplina é um problema sério e grave. E o meu medo é que, quando Crato sair, haja um refluxo ainda mais grotesco do hediondo eduquês, que cresceu, se multiplicou e ocupou todos os espaços disponíveis...

Mas haja quem não se cale, até ao último alento.

Muito obrigado por (me) ter respondido.

Abraço.

JB

24 de junho de 2014 às 10:51  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...


Ainda G. Valente p/ J. Baptista:

«Meu Estimado Amigo José Baptista:

Descreve a situação como eu penso ou suponho que é. E, sim, nomes para a direcção talvez devam ser propostos por uma assembleia que represente a Comunidade, mas deve ser o ministro, na minha opinião, a escolher e a manter-lhes ou não a confiança e o lugar, pois é o governo que irá, deveria..., ser julgado pelo que realizar. Quanto ao receio que no final do seu expressivo texto formula, é exactamente o meu, uma preocupação, uma infelizmente quase certeza que me aperta o peito. Aliás, num dos raríssimos debates que tive com uma figura de proa do eduquês (aquele especialista que queria acabar com a matemática na escola por esta disciplina "seleccionar os alunos"). -- raríssimos porque eles nunca tiveram coragem para discutir connosco, enviaram sempre peões -- quando avancei essa previsão dramática do regresso em força deles, ele respondeu, com uma certeza arrogante que a toda agente terá chocado: "pode estar certo que sim".

Que fazer mais, de facto, para além de não cedermos nem vendermos a nossa consciência e a nossa acção?

Abraço muito grato pela sua confiança,

Guilherme»

24 de junho de 2014 às 18:52  

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