Ainda as eleições europeias
Por Maria Filomena Mónica
COMO PROMETERA a
mim própria, anulei o voto, escrevendo no boletim as seguintes palavras: «Não
voto em siglas». Sei perfeitamente o que fiz e as razões que a tal me levaram:
os políticos voltaram-me as costas e eu paguei-lhes na mesma moeda. À ida para
o local, cruzei-me com dois jovens. Um dizia para o outro: «Estás maluco? Se
fui votar? Então, se não voto nos malandros que se sentam ali em S. Bento, muito menos o
faria nos que se passeiam, de avião, entre Lisboa e Bruxelas». Notei que, pelas
escadas do edifício designado para o efeito, subiam muitos eleitores, mais os idosos
do que os jovens. À saída, encontrei duas velhotas. Uma saía, a outra entrava. Rindo-se,
a primeira dizia à segunda: «Então, a vizinha lá vai votar?». A resposta veio célere:
«Claro, trata-se de um dever».
À noite,
constatou-se que os votos brancos e nulos tinham ascendido a 7, 49 %. Houve,
por conseguinte, 245.338 cidadãos que se deram ao trabalho de sair de casa para
dizer que não concordam com a organização da União Europeia. Na realidade, tal
como está, aquela é uma quimera, ou seja, um projecto utópico que procura
chegar ao seu fim sob uma autoridade disfarçada. É, no entanto, difícil
resistir aos ditames de Bruxelas, especialmente em Portugal, onde os cidadãos
ainda pensam que as ditaduras envolvem sempre, como a de Salazar, uma polícia
política. O facto de o governo europeu se ter transformado numa burocracia não
nos aflige tanto quanto a outros, porque sempre assim vivemos. Há ainda o facto
de a Europa nos ter ajudado a construir auto-estradas, a reparar pontes e a
reconstruir o património arquitectónico. Desde há muito que nos habituámos a
ver, perto dos estaleiros, placards
com estrelinhas em fundo azul. Há três anos, até na ilha das Flores, a parte
mais ocidental da Europa, as encontrei.
Portugal tem uma tradição autoritária que faz
da integração na UE um factor mais aceitável do que noutros países. Uma coisa é
nascer-se num país como a Inglaterra, no qual o liberalismo e a democracia são
desde há muito respeitados, outra num país onde o clientelismo e o arbítrio
tudo abafam. No primeiro caso, o euro-cepticismo faz sentido; no segundo, é de
utilidade duvidosa. Não sendo dada a nostalgias patrióticas, não defendo o
Estado-Nação, por o considerar uma entidade inerentemente superior a uma
Federação, mas por julgar que, neste caso, o federalismo contribui para
exacerbar sentimentos xenófonos. Finalmente, o projecto da UE depara-se com um
problema: a ausência de uma cidadania europeia. Poucos indivíduos se vêem como
europeus, como se vêem como portugueses, espanhóis ou franceses. Muitos foram e
serão «europeus» enquanto Bruxelas lhe mandar dinheiro.
PS: A 5 de Maio último, saiu
finalmente a portaria que regulamenta o testamento vital, um labirinto de 11
artigos de tal forma redigidos que provavelmente terá como resultado levar muitos
cidadãos a desistir do intento.
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«Expresso»
Etiquetas: FM
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