18.11.14

Deveres de Consciência

Por Pedro Barroso
...se um simples cidadão vulgaris lineus fizer um degrau, uma janela, uma serventia; se dever uma prestação à Segurança Social, uma mensalidade ao Banco, uma letra do carro; se pisar um risco numa ultrapassagem, atravessar fora da passadeira, cuspir no chão, insultar o governo, o fiscal de finanças; se não tiver as licenças em dia, o boletim preenchido, provisão na conta. 
Se. Não acabaria mais. 
O cidadão é multado, extorquido, esquartejado, perseguido, preso, condenado, chateado, incomodado. 
Percebi. 
Para a próxima, retiro 5000 milhões - o que quer que isso seja, meu deus...- e terei direito uma prestigiosa e colunável Comissão de Inquérito, dúvidas do Banco de Portugal sobre quando intervir e o que fazer, muitos milhões cautelosamente guardados na Suiça ( talvez em Bensafrim, Odelouca, Portelosa do Semicúpio... ). A coisa vai demorar.
Falo ao Oliveira e Costa, que ele sabe do assunto e anda por aí. Mas atenção. Ponho um ar distante e pesaroso. Declaro que fui derrotado pela crise em luta heróica pelo Bem comum. Pela economia nacional. Talvez me ergam uma estátua um dia. Faça-se justiça, claro. Investigue-se - darei toda a minha colaboração. Por minha honra. 
Puxarei de uma cadeira e esperarei sentado. Fumo um charuto caro, bebo um scotch de trinta anos, um porto de cinquenta. Dou uns passeios em jacto privado. Apetece-me ir jantar a Paris, fazer compras, ver os amigos. 
Vou preparando a defesa, ocultando papeladas, apagando factos. Sorrio para mim mesmo, senhorial, devagar. Uso Armani e fragrâncias parfum made para mim. Tudo baratíssimo. Muito acessível. Visto camisas por medida. Seda natural que sou alérgico a porcarias.
Vou à ópera amanhã, sou uma pessoa de bom gosto - aprecio Verdi. 
Talvez  encontre um cidadão menor pelo caminho, mendigando. 
Ver se não me esqueço de lhe dar uma moeda.

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1 Comments:

Blogger José Batista said...

Sim, sim, Portugal é (muito) isto.

18 de novembro de 2014 às 21:26  

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