Dos Dourados ao BES
Por Antunes Ferreira
ZANGAM-SE as comadres, dizem-se as verdades. O ditado
precisa de adaptação aos dias de hoje e basta um ponto de interrogação no seu
final para a coisa estar feita; Zangam-se as comadres, dizem-se as verdades?
A comissão de inquérito parlamentar sobre os infelizes
Vistos Gold ainda vai ter de suar as estopinhas durante muito tempo, quiçá a
legislatura não chegue. O que, sendo lamentável, não é difícil. Marcelo Caetano
dizia nas suas aulas, ouvi-o eu, que em Portugal quando se nomeia uma comissão
é muito raro ela chegar ao fim e muito menos a conclusões definitivas. Tinha
razão o herdeiro do dr. Salazar? Parece-me que sim, ainda que me tenha chumbado
em Direito
Administrativo…
Até à data (escrevo na sexta-feira, 21) há uns quantos
suspeitos de desonestidade e sobretudo corrupção – activa e/ou passiva –
aliadas a trocas de influências, manejos políticos, e quejandos, em prisão
preventiva; mais precisamente cinco. São pessoas importantes, actores e
decisores políticos a um nível muito alto. A Polícia Judiciária fez (e faz)
buscas domiciliárias, a locais de trabalho, a tudo cheira mal. Nunca as mãos
lhe doam.
Mas tem-se debatido com circunstâncias indescritíveis, como
por exemplo computadores de suspeitos absolutamente “limpos” cuja “limpeza”
fora mandada fazer por outros suspeitos, aparentemente nos “termos da lei”
expressão utilizada mas com muitos sentidos. São considerados “normais”, mas
com vírgulas a mais, o que resulta em buracos por entre os quais se foge sinuosamente,
mas sempre explicado na base das disposições “nos termos da lei”
Todos sabemos que a corrente parte sempre pelo elo mais
fraco; no caso dos sinistros Vistos Dourados, ela quebrou-se por elos mais
fortes. Ou, pelo menos, por gente que acreditava que vivia nos cornos da Lua,
que se considerava insuspeita de qualquer pecado. Mas, quando a ponta do
icebergue apareceu foi o princípio de um afundamento impossível. Ter-se-ão
esquecido do caso Titanic, ou nem sequer sabiam dele.
Deste imbróglio parecia não poder-se escapar. Fazia sentido
recordar o labirinto de Creta em que reinava o Minotauro que comia todos os que
o tentavam eliminar. Julgava-se o misto de corpo de homem e cabeça de touro que
era impossível vencê-lo; mas um dia apareceu o herói Teseu que, superando o que
Dédalo construíra, eliminou o Monstro. Acabara o impossível…
Porém a comissão de inquérito decidiu ouvir o cidadão que
trouxera os Dourados para Portugal, o seja Paulo Portas, que, curiosa
coincidência, também é vice- Presidente do Conse,…, perdão, vice
primeiro-ministro deste (des)Governo; poderia perfeitamente não ter lá ido, mas
num verdadeiro rasgo de urbanidade, solidariedade e patriotismo foi declarar
que sim, que os desgraçados Vistos eram muito importantes para trazer
investimentos em Portugal.
Se acabassem com eles, os “investidores” iriam “investir”
para outros países que também os concedem e acabava-se o investimento para o
progresso e desenvolvimento do país e para salvar a construção civil que estava
de rastos. Quando ao progresso e desenvolvimento do país estávamos (e estamos)
conversados. Já no que respeita à construção civil são outros quinhentos mal
réis.
Na verdade os “investidores” dourados vêm comprar a um belo
preço imóveis. Dizem que o fazem para lavar dinheiro sujo, desde chineses até
angolanos com ucranianos e quiçá russos à mistura. Mas não há provas em “termos
legais”. Boa maneira de desenvolver Portugal e alavancar o seu progresso
técnico, tecnológico e mais, nos domínios da ciência, da indústria, da
agricultura e do berlinde às três covas, principalmente este que é altamente
deficitário entre nós.
Lê-se, ouve-se e vê-se o que os órgãos de comunicação
benignamente nos ofereceram – pagos – e começa a descobrir-se que os Vistos
Gold são uma panaceia universal, no mínimo para Portugal. Nós, os portugueses,
andávamos (quase) todos enganados sobre o valor e a bondade deles. Ainda [está
para] durar a trabalheira atribuída à comissão parlamentar de inquérito. Só em
audições espera-se [que] demorem tanto – ou mais – do que a que [teve] a tarefa
de investigar a gigantesca fraude do Espírito Santo (não me refiro ao da
Santíssima Trindade) que é quase Deus pois está por toda a parte como um polvo
tsunâmico com montanhas de tentáculos.
Há quem lhe chame Hidra, por mor das muitas cabeças que
fazem parte dele, mas de uma maneira ou doutra está para durar até às calendas
– se a PJ deixar ou se deixarem a PJ continuar. A investigar.
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