ÁGUA DE COCO - Lojas “portuguesas” (?)
Por Antunes Ferreira
Para quem me conhece não me parece
necessária a salvaguarda que deixo aqui: peço o subido obséquio
que não pensem que estas crónicas
resultam
de intenções neocoloniais. Nunca fui
saudosista
dos tempos do antigamente;
não seria agora, a caminho dos 74 anos
que o seria…
PELAS RUAS de Pangim, que começo a conhecer mais do que alguns naturais
(ia escrevendo indígenas, mas meti travões às quatro rodas) da terra, vou
confirmando o que já descobrira há muitos anos. Mas, para lá chegar, deixem-me
que vos conte uma estória que me aconteceu no princípio da semana. Curiosamente
tenho de dizer que não contava com ela, mas elas acontecem quando menos se
espera. E, assim, têm mais sabor, digo eu.
Tínhamos almoçado no George na praça da igreja catedral que já está engalanada
pois vêm aí a Semana Santa. O restaurante George para mim é o melhor da capital
onde se come cozinha goesa genuína, embora noutros também se encontre, mas um
tanto adulterada pelos que vindos de outros Estados da Índia emigraram para
Goa. Um caril à maneira goesa, um vindalho, um sarapatel, um balchão e outros
têm um sabor absolutamente diferente das restantes cozinhas indianas que são
muitíssimas.
Retomo a estória. Na primeira esquina do jardim Garcia de Orta, antes de
se chegar ao hotel Sri Punjab, que tem um restaurante onde pontifica a comida
sick de seu nome Aroma (nada tem que ver com a nossa palavra), um casal europeu
com sacos de compras, Nikon pendurada do pescoço do homem perguntou-nos em
francês que língua falávamos, ao que lhes respondi que falávamos Português,
pois éramos de Portugal, mas que, na realidade, a Raquel era goesa.
Foi um encontro de uns quinze minutos, mas que foi muito interessante.
Os franceses Marcel e Pauline Combat vinham do Estado de Karnataka e tinham
descoberto que Goa era muito diferente, pois também tinham andado por Nova
Deli, chegado ao Taj Mahal, (visita incontornável na Índia) viajado pelo
Rajastan e Kajurao (visita igualmente indispensável por mor dos templos com
figuras eróticas em relevo nas paredes exteriores, mesmo pornográficas,
representando actos sexuais que até metem animais.
Mas Goa era diferente. Porquê. Expliquei-lhes a permanência dos
Portugueses ao logo de quase cinco séculos por ali, falei-lhes das igrejas,
capelas, catedrais, conventos e cruzeiros. E apontei-lhe a Papelaria J.M.
Fernandes, dizendo-lhes que a loja tinha o seu nome em Português, o exemplo
mais à mão dessa realidade. Separámos com muitos abraços e beijinhos e
combinámos um encontro quando fosse possível… Já os voltei a ver, mas como iam
do outro lado da rua, nem lhes acenei. Um dia jantaremos em qualquer parte do
Mundo – se lá chegar…
Disse à Raquel que pretendia andar um bocadinho, poi fazia 34º mas há
tempos que o não fazia e precisava de começar a desenferrujar as dobradiças. Fomos
até ao Idalcão, antiga sede do Governo no tempo dos Portugueses. Estávamos no
coração da Pangim antiga e dei por mim em frente do Hotel República, assim
mesmo com acento agudo. De supetão surgiu-me a ideia (cada vez mais sou um
idiota…) de ir mirando lojas diversas para confirmar o que já sabia: muitas
mantinham nomes portugueses.
Desde o Café Central até ao estabelecimento de tecidos Amaro Rebelo
& Sons - antigamente era & Filhos – passando pelo Hotel Fidalgo que
quantidade deles subsistia. Alguns exemplos em Pangim: Café Central, Café
Nacional, Lembrança (com cê cedilhado) loja de souvenirs ,
para não falar da Farmácia Salcete (é o nome do distrito da Raquel que ali
nasceu, mais precisamente na aldeia Raia, onde a família Melo tinha casa com
capela e a que chamam capital do catolicismo), Hotel Palácio de Goa, de um
mouro (como aqui se diz para muçulmano).
Ora digam-me lá se isto é saudosismo ou neocolonialismo? Não é. São apenas constatações feitas no seu lugar.
Aliás Casas há muitas. Por exemplo a Casa Shirodkar, em que o termo português
está associado ao nome do proprietário goês. E que dizer da Casa Velho (da
família Velho) de artigos diversos de decoração e outros, carotes. Pronto foi
um percurso pequeno, mas a capital também não é grande…
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