1.4.15

QUO VADIS, PORTUGAL ?

Por A. M. Galopim de Carvalho

NÃO É NOVIDADE para ninguém. Desde que o neoliberalismo cego do PSD (traidor do pensamento e da prática social democrata que lhe deu nascimento) tomou conta dos nossos destinos, amparado nesta actual muletazinha conhecida pela sigla CDS-PP, vai para quatro anos, os portugueses assistem, resignados e pacificamente, ao retrocesso social e cultural imposto por uma União Europeia cada vez mais afastada e hoje um logro da esperança que assinámos a 12 de Junho de 1985, faz agora trinta anos.
As conquistas na segurança social, nos cuidados de saúde, na ciência, no ensino e no apoio à cultura conseguidas na vivência em democracia que se seguiu à Revolução dos Cravos estão a fugir da nossa vida colectiva como areia por entre os dedos.
Perdemos uma parte significativa da independência nacional e assistimos à asfixia e destruição de muitas das nossas valências económicas. Estamos a viver tempos de miséria e, até, de fome para um número cada vez maior de famílias, de miserável abandono dos idosos, de corrupção descarada e impune e de aumento do número e da riqueza dos ricos. A chamada classe média está a afundar-se, o desemprego tornou-se uma realidade dramática dos que já não conseguem encontrar um posto de trabalho e é um incentivo crescente à igualmente dramática emigração de uma juventude que a democratização do ensino qualificou a níveis nunca antes conseguidos.
Tudo isto e mais alguma coisa foi sabiamente previsto por Natália Correia (1923-1993), grande portuguesa que deixou nome na poesia e na política (deputada à Assembleia da República entre 1980 e 1991). Estou muito longe de ter lido toda a obra desta saudosa açoriana de São Miguel, mas o que li e ouvi ler, em especial, poesia, sempre me mostrou, pela excelência do conteúdo e da forma, a mulher com quem tive o privilégio de conviver nos últimos anos da sua vida. Quando a procurei, em começos da década de 90 eu era um profissional, a tempo inteiro, com 30 anos de dedicação exclusiva a uma ciência demasiado terra-a-terra - a geologia - em busca de um outro caminho que tinha o dela e de muitos outros mestres da palavra, por modelo. Prenderam-me a esta lutadora a intransigência com que defendia a liberdade, a solidariedade, a justiça e a cultura, o desassombro, a elevação e a beleza, a força e a energia, que usou na palavra falada e escrita, características que sempre igualei às do também grande e saudoso Ary dos Santos.
Apraz-me aqui e agora transcrever, pelo que têm de impressionante realismo, algumas premonições desta grande Senhora, trazidas a público por Fernando Dacosta em “O Botequim da Liberdade” (Casa das Letras, 2013).
"Portugal vai entrar num tempo de subcultura, de retrocesso cultural, como toda a Europa, todo o Ocidente".
"Os neoliberais vão tentar destruir os sistemas sociais existentes, sobretudo os dirigidos aos idosos. Só me espanta que perante esta realidade ainda haja pessoas a pôr gente neste desgraçado mundo e votos neste reaccionáriocentrão".
"As primeiras décadas do próximo milénio serão terríveis. Miséria, fome, corrupção, desemprego, violência, abater-se-ão aqui por muito tempo. A Comunidade Europeia vai ser um logro. O Serviço Nacional de Saúde, a maior conquista do 25 de Abril, e Estado Social e a independência nacional sofrerão gravíssimas rupturas. Abandonados, os idosos vão definhar, morrer, por falta de assistência e de comida. Espoliada, a classe média declinará, só haverá muito ricos e muito pobres. A indiferença que se observa ante, por exemplo, o desmoronar das cidades e o incêndio das florestas é uma antecipação disso, de outras derrocadas a vir".

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6 Comments:

Blogger José Batista said...

Reproduzo aqui, com renovado agradecimento, o comentário que fiz a este texto no blogue "sopas de pedra":

Extraordinária lucidez e oportunidade, neste texto do Professor Galopim. Um retrato cru do que se vai passando. Também um alerta. E uma homenagem sentida, muito autêntica, a Natália Correia, que tanto a merece.
Um texto imprescindível. O seu efeito prático, provavelmente, não será imediato, mas é uma boa semente, lançada ao coração e ao cérebro de todos.
Grato pela incansável, imensa e certeira atenção e pelo labor persistente e exemplar.

JB

1 de abril de 2015 às 14:58  
Blogger Leo said...

Que apocalíptico!

E onde estão as alternativas no plano político?

Não existem, simplesmente!

É tudo farinha do mesmo saco, como diz o outro.

Desde a esquerda à direita, todos pretendem ignorar que este modelo é insustentável e nenhum deles propõe, ou seja, nos permite escolher um modelo realmente diferente.

Cultura, escolas? Há alguma que não sirva para educar as pessoas neste sistema falhado. Como apelidam as escolas as sociedades sem Estado? De sociedades selvagens, na melhor da hipóteses. Como se uma sociedade sem o estado, assim como sem a Religião, não pudesse ser concebida. Como se sempre tivessem existido ambos.

Acredito na nossa juventude que, ao contrário do que diz o texto, não tende a ficar mais inculta. Esta juventude vai regressar às origens da nossa existência e vai para a rua, renegando um Estado opressivo, onde nunca poderão ser verdadeiramente livres.
Poderá não ter acesso à cultura, mas criará cultura.
Poderá não ter subsídios, nem ordenado, mas saberá subsistir.
E esses enfermos que nos ditam o que fazer das nossas vidas, irão ver no rosto dessa nova geração, a alegria estampada no rosto pela plenitude da sua existência.
Regressarão os verdadeiros Homens e Mulheres, plenos, livres, criadores, emancipados, tolerantes, amigáveis.

Tenho fé na nossa juventude que sinto estar prestes a abrir os olhos.

1 de abril de 2015 às 22:07  
Blogger 500 said...

Viva a Revolução leonista! Viva!

1 de abril de 2015 às 22:49  
Blogger Leo said...

Caso para dizer que o futuro está escrito no nosso passado hehe

O nosso planeta não aguenta este ritmo de devastação.

Nós próprios que arrogamos dominar e submeter o ambiente e os restantes seres vivos como bem entendemos, o que, aliás, já levou à extinção de inúmeras espécies animais e vegetais, arriscamos sofrer na pele os efeitos de tal despotismo, quando deveríamos ser os primneiros a zelar por essas espécies que não o podem fazer por si, ou melhor, podem, mas não contra a nossa acção criminosa.

A energia do sol, do mar e do vento estaria bem mais desenvolvida e bastaria já para colmatar as nossas necessidades energéticas, não fosse o lobby do petróleo, do poder e da ganância, bem como do medo crescente que estes grupos (Estados dominados pelos interesses de grandes empresas) em perder o controlo da sociedade, que já se adivinha, criando o medo, fomentando a guerra e levando as pessoas a crer que eles são a nossa salvação e única opção, através de uma propaganda que começa com os nossos digníssimos economistas, os média, as escolas inconscientemente, por aí fora, fazendo-nos aceitar as suas coerções cada vez mais intrusivas.

Esta juventude, unida pelo amor fraternal, cada vez mais sensibilizada pelas questões ambientais e sociais, consciente do que se impõe mudar, irá desmascarar toda esta cortina de fumo com que nos têm vindo a enganar.

Os iphones, os carros, as roupas caras deixarão se ser suficientes para distrair a rapaziada.

1 de abril de 2015 às 23:23  
Blogger opjj said...

Caríssimo, pela sua idade tinha obrigação de ser isento.
A obcessão cega.
Alguma vez se viveu melhor do que hoje?
Ontem pelas 13h fiz operação ás cataratas. Hoje, retirado o penso pelas 9h fiquei a ver límpido.
Nada paguei, como pode dizer que o SNS está em crise? Acho que devia pagar qq coisa ao contrário do que afirma.
Dava-lhe mais exemplos.
Só pode dizer mal quem tem vivido em berço de ouro.Eu como fui pobre, sei apreciar as diferenças.

2 de abril de 2015 às 17:07  
Blogger Leo said...

Uma vida inteira por uma esmola!

11 de abril de 2015 às 20:50  

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