EDUCAÇÃO, O "REGRESSO" DO QUE NUNCA SAIU DE LÁ
Por Guilherme Valente
"Sou um homem com sorte. Quando cometo algum erro, há sempre alguém que mo aponta", Confúcio
«É de pequenino que se torce o destino», Carlos Fiolhais
O Secretário-Geral do PS admite acabar com os exames nacionais para os alunos mais novos. Embora o programa eleitoral não seja claro sobre isso – haja alguma esperança, portanto -, afirmou na TSF que «não é uma boa solução a antecipação de exames para idades tão precoces» e que as retenções «têm um custo enorme». «Tal como um raio x não cura um doente, também um exame não faz a aprendizagem dos alunos», disse.
António Costa não tem razão. Os exames fazem aprender. E fazem ensinar, que é, aliás, o que aqueles que mandaram na educação durante 40 anos não querem que aconteça na escola. Como bem viu uma grande figura do PS, Sottomayor Cardia.
E a metáfora que AC usou não faz sentido, porque os raios X salvam mesmo muitas vidas, são decisivos para a descoberta da doença, cada vez mais determinantes para a cura, portanto.
Quanto ao "custo enorme dos exames", não é custo nenhum. É um investimento. Custo enorme é o que o País anda a pagar desde há anos por não ter havido exames a sério. Muito particularmente logo no final do primeiro ciclo. Abandono escolar subsequente, alunos que se arrastam sem completar o Secundário, percentagem dramática dos que não entram e desistem no Superior. Apesar do facilitismo que também aí tem crescido. Ou seja, ignorância, iletrismo, alheamento cívico, desqualificação profissional. Que AC, seguramente, não quer que continuem a verificar-se.
O exame no final do primeiro ciclo não é nada precoce. É pedagógica e cognitivamente essencial. Um sinal a dizer aos miúdos ao que vêm. AC também o realizou e parece não lhe ter feito mal. E sem tomar calmantes, porque teve os pais que teve.
Os exames são um treino de empenho e responsabilidade. Que entre nós até deve ser realizado com maior frequência. Um desafio motivador, aceite pelas crianças com naturalidade e gosto. Desde que os "cientistas" da educação, o ministério, a escola e os paisinhos não lhes cultivem a preguiça, a irresponsabilidade e a insegurança.
Os avanços mais recentes das ciências cognitivas mostram que uma exigência suficientemente forte no início do percurso escolar é benéfica para a criança. A aquisição precoce de certos automatismos, no português como na matemática, permite libertar o cérebro para outras aprendizagens, sublinha um reputado especialista de ciências cognitivas, Stanislas Dehaene. E é antes dos dois primeiros anos do Básico que podem e devem ser adquiridos.
São idades em que se manifesta um grande gosto e uma surpreendente facilidade em aprender.
Pois se até o nosso border collie pede que lhe ensinemos coisas e manifesta satisfação quando aprende...
AC deve, pois, ouvir os investigadores das ciências cognitivas. Não deve seguir a indigente ignorância e a pura insensatez que lhe servem os "cientistas" da educação.
Mas ainda este ministro não foi para casa - triste por não ter aproveitado tão bem como devia a oportunidade que lhe caiu do céu - e já parece vislumbrar-se a anulação das medidas que na direcção certa conseguiu concretizar. Nalguns casos tímidas e tardias, dói-me ter de o reconhecer, mas, mesmo assim, persistentes, e no caso dos exames logo com resultados à vista.
Parece, pois, configurar-se o regresso do pedagogismo, com um poder de novo sem freio. Em detrimento da prioridade do saber e da transmissão, que Nuno Crato teve o mérito de ser o primeiro governante a querer assumidamente praticar. Regresso das ideias velhas que durante mais de trinta anos promoveram a ignorância e a indisciplina, inviabilizando a escola, infantilizando os alunos e desvalorizando os professores, anulando a sua tarefa inestimável.
Regresso? Os ministros vão passando, mas os oráculos obscurantistas da "educação" continuam a ser os mesmos, o seu domínio manteve-se. Um jugo que o País irá pagar sempre mais caro.
-Expresso de 20 Jun 15
Etiquetas: GV
3 Comments:
Estou de acordo com a argumentação e as preocupações expressas neste texto.
Um texto lúcido, chamando a atenção para a necessidade de aumentar, com responsabilidade, a qualidade (que anda muito por baixo) do nosso ensino. Subscrevo-o totalmente, pena é que "outros interesses" continuem a ser obstáculo à concretização desses valores.
Não é possível, neste país, que os políticos (de todos os quadrantes) se entendam para uma profunda, séria, duradora e responsável reforma do nosso ensino?
Maldita Pátria que tais filhos gera.
Concordo com o texto de Guilherme Valente. Felicito-o pela coragem de se manter firme numa luta em que, desde há décadas, não tem estado muito acompanhado, pelo menos não tanto quanto seria desejável.
Não obstante, não pode passar em claro a inadequação de certos exames elaborados pelo gave/iave, como têm sido, desde há dez anos a esta parte, os de biologia e geologia do ensino secundário. Se não é para destruir alunos, professores e a própria disciplina, mais parece... Sendo certo que, antes disso, já o programa, especialmente o do décimo ano - um monumento ao "eduquês", tinha lançado as bases do desastre, que vai alastrando ano após ano. Digo-o com conhecimento de causa, e com muita tristeza, eu, que sempre concordei com as posições de Guilherme Valente.
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