3.3.16

Sem emenda- Sem capital, mas com berreiro

Por António Barreto
O Orçamento lá foi aprovado. Não se pode deixar de festejar o que parece ser uma atitude de compaixão de que ninguém deveria envergonhar-se. Pensionistas, idosos, crianças, trabalhadores, pobres, famílias em dificuldade e empregados da Administração vão beneficiar de alguma compensação depois de seis anos de vida difícil. É verdade que uma parte da classe média, composta sobretudo por funcionários públicos, sai mais beneficiada do que os realmente desfavorecidos. Mas há muito já que o PS navega por estas águas.
Havia dinheiro para estes benefícios? É o que veremos. Há dinheiro para mais apoios? Não se sabe. Os aliados do PS vão fazer pressão e exigir mais? Também não sabemos. Os problemas deste Orçamento resumem-se numa só palavra: incerteza. Por um lado, gasta-se e apoia-se, mas por outro é ainda preciso abater uns milhares de milhões à despesa pública. E o crescimento económico é uma incógnita.
A discussão na generalidade e, agora, na especialidade, teve e tem um teor lamentável. Há muito que é isto e assim será no futuro. A regra do berreiro impôs a lei e o tom. A ácida maneira de falar, o conteúdo abrasivo das palavras, as insinuações, os ataques gratuitos, as acusações destituídas de significado e as mentiras fazem deste debate um monumento à inutilidade dos cérebros.
Este Orçamento quase não refere o mais importante problema português actual: a falta de investimento. Em fábricas e empresas, em tecnologia e equipamento, em inovação e investigação, em estruturas produtivas e em projectos de desenvolvimento. Para apoiar um sector quase heróico de empresas exportadoras, para permitir a reorganização de algumas indústrias e serviços a fim de promover a competitividade, seria necessário termos bancos e recursos. O investimento exige financiamento. Este depende do sistema bancário, que, por sua vez, está condicionado pelos capitais existentes e pelo crédito possível. Ora, no nosso país, falta tudo o que antecede. Os últimos dez a quinze anos varreram a economia portuguesa como um vendaval. O “capitalismo português” está morto e enterrado. Não há capital e quase não há capitalistas. Os bancos estão destruídos, deficientes ou em trânsito para grupos internacionais. O sistema bancário está de rastos.
Que se perceba pela leitura de alguns capítulos do Orçamento e em conformidade com o arremedo de debate parlamentar, o Governo parece contar sobretudo com recursos públicos, os seus, magros, e os da União, um pouco mais corpulentos. Mas limitados. Já vimos este cenário. Apesar de muito útil, este investimento é parco e pouco reprodutivo. A conclusão parece evidente: não havendo recursos em Portugal, é indispensável buscar o investimento externo. Ora, este tem vindo a descer e está cada vez mais prudente: é necessário ver as condições de segurança e confiança, as vantagens, a burocracia, os envolvimentos sociais, a justiça, a fiscalidade, os incentivos e a corrupção. Neste vasto e indispensável capítulo, pouco ou nada se debateu. Já os últimos anos de sufoco financeiro tinham sido nefastos. O governo anterior, que não tinha capital, mas tinha tempo, não alterou as condições de investimento externo. Ajudaram-se uns grupos internacionais a comprar o que já estava feito e venderam-se empresas a saldo. E a diplomacia económica do “visa gold” revelou-se pouco produtiva e arriscada.
Apesar de sempre ter preferido o investimento público, o PS não condena o investimento privado. E quando esse investimento tem a participação empenhada dos seus ministros e autarcas, é bem-vindo. O problema agora é o do apoio dos seus aliados. Sem reservas nem fingimentos, o PCP e o Bloco detestam o investimento privado, tanto nacional como externo. Vivem para lutar contra o capitalismo, a iniciativa privada e o mercado. É o que nunca esquecerão durante a legislatura ou o tempo que ela dure.


DN, 28 de Fevereiro de 2016

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5 Comments:

Blogger opjj said...

Dr. António Barreto acha um governo normal que aumenta pensões de 244,81€ em 0,98€?
No entanto há pensões que têm mais só de aumento do que o valor duma pensão destas.
Há uns bons milhares nesta situação.
Haja vergonha!

3 de março de 2016 às 17:02  
Anonymous Anónimo said...

muitos idosos recebem pensões para as quais nunca descontaram. fizeram mal e causaram problemas aos contribuintes e a quem gere a segurança social.

de qualquer modo, é pouco o aumento. esperamos evolução consoante a evolução da economia e do mecanismo redistributivo.

já se queixou antes? ou só agora teve sensibilidade para o problema?

6 de março de 2016 às 10:08  
Anonymous Anónimo said...

Dr. António

investimento público é necessário e imprescindível num programa de governo P.S.
não há novidade e ainda bem.
pena que não se possa ir mais longe.

não sou radical a não ser na convicção da necessidade de um estado forte e bem gerido.
os privados querem ficar ricos. só devem existir se cumprirem as regras e não queiram enriquecer à pala dos outros que critica.

aplicar impostos à riqueza herdada é um imperativo moral e ético. quem nasce rico é um privilegiado.

6 de março de 2016 às 10:16  
Blogger opjj said...

Dois anónimos, dois invejosos. Os esquerdóides são assim. Tudo à pala do pobre do privado.

6 de março de 2016 às 14:50  
Anonymous Anónimo said...

Ninguém escolhe onde nasce. Uns nascem privilegiados outros não. Para colmatar estas desigualdades cabe aos estados criar igualdade de oportunidades para todos. No entanto, isto começa a parecer uma utopia. É óbvio, que quanto maior for o rendimento mais se deverá descontar. É de extrema importância que os cidadãos vejam que o seu dinheiro é gerido conscienciosamente pelo estado em favor dos menos privilegiados. É necessária uma política fiscal justa que penalize menos as empresas e incida mais sobre os altos rendimentos individuais. O investimento privado é de enorme importância para o crescimento económico e para a criação de postos de trabalho.

9 de março de 2016 às 10:50  

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