MAIS DO QUE A MORTE, ASSUSTA-ME A SOLIDÃO DOS VELHOS
Por A. M. Galopim de Carvalho
Este flash
de fim de vida, intensamente estampado nesta
fotografia de Jorge Vieira, cala bem no fundo da nossa sensibilidade, não pela
sombra do companheiro que partiu, já liberto e descansado das dores do corpo e
da alma, mas pela irreversível solidão da que ainda espera pelo começo dessa
viagem.
Tudo dói na
crueza desta imagem. É a expressão no rosto da velha senhora, é o seu cabelinho
ralo e desalinhado e o seu corpo, que se adivinha ressequido, escondido numa
roupa que, por isso, ficou vários números acima. São os sapatos e as meias, de
quem não tenciona sair à rua. É aquela mão agarrada ao canto da mesa e é, ainda
a toalha, grande demais para a pequena mesa a dois, agora dobrada e a dizer
que, estendida, serviu uma família inteira que se esfumou. Pelos vincos bem
marcados, esta toalha, talvez de linho, que ela própria bordou em tempos de
jovem casadoira, a juntar ao enxoval, mostra que acabou de sair de um velho baú,
com anos e anos de dobrada e adormecida ao lado de um saquinho de alfazema...
Etiquetas: GC
4 Comments:
Numa sociedade imediatista, competitiva e consumista, o tempo parece escassear para olhar para o "outro", que muitas vezes está tão perto...
Este comentário foi removido pelo autor.
Que bela foto e sua interpretação.
É como se a velhinha celebrasse com a sua (própria) sombra, à falta de melhor companhia e interlocutores.
E em que talvez não ficasse mal a legenda: "retrato de uma época, que bem podia (e devia) não ser (tanto) assim".
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