11.12.16

MAIS DO QUE A MORTE, ASSUSTA-ME A SOLIDÃO DOS VELHOS


Por A. M. Galopim de Carvalho 
Este flash de  fim de vida, intensamente estampado nesta fotografia de Jorge Vieira, cala bem no fundo da nossa sensibilidade, não pela sombra do companheiro que partiu, já liberto e descansado das dores do corpo e da alma, mas pela irreversível solidão da que ainda espera pelo começo dessa viagem.

Tudo dói na crueza desta imagem. É a expressão no rosto da velha senhora, é o seu cabelinho ralo e desalinhado e o seu corpo, que se adivinha ressequido, escondido numa roupa que, por isso, ficou vários números acima. São os sapatos e as meias, de quem não tenciona sair à rua. É aquela mão agarrada ao canto da mesa e é, ainda a toalha, grande demais para a pequena mesa a dois, agora dobrada e a dizer que, estendida, serviu uma família inteira que se esfumou. Pelos vincos bem marcados, esta toalha, talvez de linho, que ela própria bordou em tempos de jovem casadoira, a juntar ao enxoval, mostra que acabou de sair de um velho baú, com anos e anos de dobrada e adormecida ao lado de um saquinho de alfazema...

Etiquetas:

4 Comments:

Blogger Ilha da lua said...

Numa sociedade imediatista, competitiva e consumista, o tempo parece escassear para olhar para o "outro", que muitas vezes está tão perto...

11 de dezembro de 2016 às 13:58  
Blogger Ilha da lua said...

Este comentário foi removido pelo autor.

11 de dezembro de 2016 às 13:58  
Blogger 500 said...

Que bela foto e sua interpretação.

11 de dezembro de 2016 às 21:30  
Blogger José Batista said...

É como se a velhinha celebrasse com a sua (própria) sombra, à falta de melhor companhia e interlocutores.
E em que talvez não ficasse mal a legenda: "retrato de uma época, que bem podia (e devia) não ser (tanto) assim".

11 de dezembro de 2016 às 21:46  

Enviar um comentário

<< Home