4.12.16

Sem emenda - Não é final, mas é vitória…

Por António Barreto
Na “Internacional”, é a luta que é final. Mas entre os slogans e as senhas das revoluções, a “vitória final” ou a “vitória, sempre” fazem parte do arsenal semântico. Em Portugal, este fim-de-semana, assistimos a uma liturgia vitoriosa inédita. É a primeira vez, em quase quarenta anos, que o PCP comemora a vitória. Com cuidado. Com precauções. Com ameaças. Mas vitória!

Um relógio parado está certo duas vezes por dia. A primeira vez foi há 42 anos: aconteceu uma revolução militar que se transformaria gradualmente em revolução política e social! Prevista há muito, esperada durante décadas e desejada tempos sem fim, fez-se e foi o que se sabe. O PCP garantiu que a tinha previsto. Cavalgou-a. Dirigiu-a durante uns meses. Perdeu-a em 1975, a 25 de Novembro. Por isso, as esquerdas detestam o 25 de Novembro. Por isso, o PS, que aplaudiu, tem hoje vergonha do 25 de Novembro. Por isso, o Parlamento recusou o ano passado associar-se à comemoração dos 40 anos e, este ano, não aceitou evocar a data. Felizmente que agora o dia se transformou no Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres, que tem o condão de mobilizar as opiniões e os jornais. Foi também o dia em que morreu Fidel Castro, o mais duradouro ditador do século XX, o mais longo mito e o mais perene herói das esquerdas, incluindo de muitos socialistas que esquecem o ontem e sonham com amanhãs. Parte do mundo deixou-se deslizar numa obscena lamúria em que se festejava em Fidel Castro o que não se tolera em ditadores como Salazar, Mussolini, Franco e Pinochet. Mas Fidel é de esquerda. Como os ditadores Estaline, Pol Pot, Mao e Ceausescu. Deve ser por isso que tem todas desculpas.

O PCP espera agora que o seu relógio acerte pela segunda vez. Há quarenta anos que é contra a CEE, contra a União e contra o Euro. Nunca deu resultado, nem teve êxito. Desta vez, espera que sim. Os dissabores da União, as ameaças de desmembramento e a ascensão da extrema-direita fazem-no ter esperança.

No dia 2 de Dezembro, o PCP iniciava o seu 20º Congresso, em cuja abertura o secretário-geral desferiu um dos mais brutais ataques à União Europeia e ao Euro, à economia de mercado e à iniciativa privada, em louvor da “pátria”, da saúde e da economia pública. Apesar disso, tudo leva a crer que o PCP vá apoiar o governo do PS por mais algum tempo. Mesmo que tenha de disfarçar, como fará com a nomeação de Paulo Macedo, até ontem o coveiro do SNS.

Na véspera, comemorara-se o 1º de Dezembro, que é agora, também, o Dia internacional de Luta contra a Sida, tema mais actual e mais mobilizador do que a independência nacional. Esta deu origem a uma festa “oficiosa”, vá lá saber-se o que é isso, ainda por cima com a presença das mais altas entidades nacionais. Mas é curioso ver, nestes tempos de viragens e reversões, como a festa da Independência Nacional foi cancelada pela direita, há cinco anos, e restaurada pela esquerda, agora. No dia anterior, a 30 de Novembro, os Reis de Espanha terminavam a sua visita de Estado a Portugal, durante a qual elogiaram o bom entendimento ibérico.

Por toda a esquerda, democrática ou não, corre uma palavra ou um conceito a definir uma política: patriótico! É o que se houve aos governantes, aos congressistas do PCP e aos porta-vozes do Bloco. Mas é também o que corre no topo das instituições, Presidente e Primeiro-ministro. A palavra pode ser banal. A sua utilização oportunista. A sua evocação automática. Mas é a palavra dos perigos imprevistos. E dos fantasmas ameaçadores. Patriótico é também contra a globalização, contra o liberalismo político e económico, contra o mercado livre e contra a liberdade científica. Pátria! Pátria! Quantos crimes se cometeram por tua causa!

DN, 4 de Dezembro de 2016

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1 Comments:

Blogger Ilha da lua said...

Num mundo que se pressente de mudança, os extremos(direita e esquerda)estrebucham ameaçando vir ao de cima.O discurso e a práctica da direita e da esquerda democrática já mal se distinguem.
Parece haver um reajustamento ideológico fruto da globalização e das altas tecnologias que nos permitem seguir em tempo real os acontecimentos mundiais.
E, eu quero acreditar, que é só uma fase de reajustamento e que no final a democracia vencerá.

5 de dezembro de 2016 às 22:03  

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