OCEANOS versus MARES À memória de Mário Ruivo, meu amigo e companheiro de adolescência.
Por A. M. Galopim de Carvalho
“Assim fomos abrindo aqueles mares
que geração
alguma não abriu..." (Luís de Camões)
.
.
Em linguagem
corrente mar e oceano confundem-se muitas vezes, sendo estes dois termos usados
quase sempre indiscriminadamente, numa ambiguidade que o rigor científico
rejeita. Desde cedo, na escola, aprendendo geografia, interiorizámos que os oceanos
são grandes e profundos e que os mares são mais pequenos, menos profundos,
ladeando os continentes e, normalmente, sem limites que os separem daqueles.
O termo oceano evoca “Okeanós”, o deus do “grande rio que corre em torno da
terra”, para lá das Colunas de Hércules (Estreito de Gibraltar), tendo-nos chegado
através do latim “oceanus”.
O termo mar radica no latim “mare”, a parte líquida do Mundo, em oposição a
terra, a entidade sólida à superfície do planeta. Esta dualidade foi julgada
existir no nosso satélite natural, cujas planuras basálticas, escuras, foram
vistas como “maria” (mares, no plural), ao contrário das regiões montanhosas,
mais claras e essencialmente constituídas por anortositos, designadas por “terræ”
(terras, no plural).
De utilização erudita,
traduzindo a ideia de oceano ou de mar, o termo grego “thalassa” (do nome da
deusa grega do mar) encontra-se, por exemplo, na expressão talassoterapia, o
tratamento de certas enfermidades através de banhos de mar. Pantalassa foi o nome
dado ao oceano único que rodeava a Pangea no final do Paleozóico. Talassografia
e Talassologia são sinónimos menos comuns de Oceanografia e Oceanologia,
respectivamente.
Se alguns mares são bem definidos por estrangulamentos, como é o caso do
Mediterrâneo (estrangulado pelo Estreito de Gibraltar e pelo canal de Suez), do
Mar Negro (pelo Bósforo), do Mar Vermelho (pelo Bab-el–Mandeb) ou do Mar
Báltico (pelo Skagerrak), outros são totalmente abertos ao largo, como são os
mares do Norte, de Bering, das Caraíbas, da China, do Japão e outros.
Outras extensões marinhas poderiam, igualmente chamar-se mares, mas a
tradição refere-as como golfos, alguns bem conhecidos, como o Golfo da Gasconha
(ou da Biscaia), o Golfo do México, o Golfo Pérsico, o Golfo de Bengala.
O Mar Cáspio é
hoje um lago, grande entre os maiores. À semelhança do Mediterrâneo, é o que
resta do antigo oceano Tétis ou Mesogea, na sequência da colisão das Placas
Africana e Eurasiática. Exceptuando este e o Aral, com a mesma origem e também
ele um mar residual, todos os mares e oceanos da Terra estão ligados entre si
numa única massa líquida a que chamamos Oceano Global, perfazendo cerca de 71%
da superfície do planeta.
Na referida ambiguidade,
também as expressões domínio marinho e domínio oceânico se confundem. No
intuito de ultrapassar a indefinição dos termos “mar” e “oceano”, tanto no
discurso vulgar como no erudito, têm surgido no glossário geológico expressões
como mares epicontinentais ou mares marginais, aludindo aos mares pouco
profundos, na periferia dos continentes. Com o mesmo propósito, o restante
domínio marinho, o mais profundo e afastado dos continentes, passa a ser
designado, não apenas por domínio oceânico, mas por domínio oceânico profundo,
domínio onde se situam as bacias oceânicas profundas, duas expressões assim
adjectivadas para fugir à citada ambiguidade.
Para os gregos,
o Mediterrâneo era o mar onde navegavam, um mar rodeado de terra, no meio de
terra, a que chamaram “Tethys”, o nome da deusa, esposa de “Okeanós”. O “grande
rio” era o Oceano Atlântico, o único que conheciam. Esboça-se, já aqui, neste
saber clássico, a diferença entre o mar, algo confinado à terra, e o oceano sem
fim nem fundo, para lá de onde ela se acaba. Recorde-se que o nome Atlântico
dado a este oceano pelos romanos, alude a Atlas, o nome da cadeia de montanhas
do Norte de África, para lá da qual se abria sem fim que se conhecesse. Atlas,
recorde-se ainda, era o gigante da mitologia grega que transportava o Mundo às
costas, mais tarde petrificado naquelas montanhas.
O mar, no
sentido mais amplo, é um sistema dinâmico e complexo, alimentado por forças
incomensuráveis que quase nunca dominamos, cuja acção sobre o litoral busca,
constantemente, um equilíbrio de coexistência nunca alcançado à escala do tempo
geológico, embora aparentemente estável no tempo de vida humana.
O estudo
científico dos mares, incluindo o dos seus fundos, desde as faixas litorais às
profundidades ultra-abissais, teve início no século XIX com o navio
oceanográfico “Challenger”, nas suas viagens de circum-navegação entre 1862 e
1939. Este estudo, em grande parte resultante de cooperação internacional, foi
continuado, após a II Guerra Mundial, com o apoio de vários navios de diversos
países, entre os quais se destacou o “Glomar Challenger”, bem equipado com
material científico e de sondagens nos grandes fundos oceânicos, um laboratório
flutuante que navegou e operou até finais do século XX. Este outro navio
oceanográfico cumpriu um importante programa, conhecido pela sigla DSDP (“Deep
Sea Drilling Project”), tendo-se-lhe seguido o navio “Joids Resolution”, com o “Ocean
Drilling Project” (ODP), igualmente em apoio a projectos internacionais
essencialmente na área da geologia marinha. Numa fase (anos 80 e 90) em que
António Ribeiro, João Alveirinho Dias e eu, na qualidade de director do Museu
Nacional de História Natural, dirigíamos vários projectos de Geologia Marinha,
com o apoio de Mário Ruivo e o financiamento da JNICT, Portugal aderiu a este
Projecto, através de um convénio assinado pelo então Ministro da Ciência e da
Tecnologia, para nós, cientistas, nunca esquecido Prof. José Mariano Gago.
Centenas de
perfurações e milhares de testemunhos de sondagens, estudados ao pormenor,
dão-nos hoje uma visão bem mais ampla e precisa do que a que tínhamos em meados
do século XX. A Geologia Marinha, ou Oceanografia Geológica, é hoje uma
disciplina científica bastante desenvolvida, sendo interessante assinalar que
foi a partir do estudo dos fundos oceânicos que se encontrou a explicação da
dinâmica global da Terra, hoje bem interpretada na Teoria da Tectónica de
Placas. Também os conhecimentos que hoje dispomos acerca da sedimentogénese
marinha têm-nos permitido conhecer o significado da grande maioria das séries e
sequências sedimentares litificadas, das mais antigas (Pré-câmbricas) às mais
recentes, que integram a crosta continental. Nesta caminhada, a sedimentologia
experimentou novos caminhos com a utilização de “sonars”, amostradores de
sedimentos, obtenção de imagens através do ROV (“Remote Operate Vehicle”),
reflexão sísmica contínua, mergulhos tripulados em submersíveis especiais e
sondagens em quaisquer tipos de fundos.
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1 Comments:
Num dia bonito e solarengo como o de hoje,quando começa a apetecer um mergulho no mar esta bela lição do Professor não podia ser mais oportuna
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