7.5.17

Sem emenda - Os sonsos e os vilões

Por António Barreto
A política e a atitude deste governo, relativamente ao sistema financeiro, aos “casos” aflitivos, ao BES, ao Novo Banco, à Caixa, ao Banif e ao Montepio, é parecida, talvez mesmo igual à do anterior governo: não é nada com eles! É com o Banco de Portugal, com o Banco Central Europeu, com a Comissão Europeia, com quem quiserem e sobretudo com o anterior governo, menos com eles!

Já soubemos, por testemunho directo e presencial, que o assunto nunca foi discutido seriamente no Conselho de Ministros anterior, tudo levando a crer que o mesmo esteja a acontecer no actual. É simplesmente inimaginável! O mais sério problema não é discutido no governo, nem é agendado para Conselho de Ministros! A situação financeira, o futuro do Banco de Portugal, o endividamento, o destino a dar aos principais bancos e a nova configuração da banca portuguesa… Tudo isso é matéria que escapa ao Governo. São assuntos sobre os quais os últimos governos não têm, ou antes, não querem ter posição. São temas a propósito dos quais os governos não querem ter responsabilidades. Mesmo que se diga que Portugal já não é um país soberano, este não é o comportamento que se deva esperar do governo. Mesmo que se saiba que nada se fará sem a decisão do BCE e da Comissão Europeia, esta não é uma conduta responsável do governo.

Nunca se viu um tão grande número de especialistas em finanças! Toda a gente sabe o que se passou no BES, no Novo Banco, no Montepio, no BPN, no BCP ou na CGD! Toda a gente tem uma opinião sobre o assunto. Mas há um problema: as opiniões vêm ligadas à simpatia. Os socialistas apoiam as medidas tomadas pelos socialistas e subscrevem as críticas feitas aos social-democratas. Os social-democratas, exactamente ao contrário. Os amigos de Sócrates criticam antecessores e sucessores, designadamente Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque. Os amigos de Passos Coelho denunciam sucessores e antecessores, nomeadamente Sócrates, Teixeira dos Santos, Costa e Centeno. Os amigos de Costa culpam os antecessores, mas distinguem entre Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque, muito maus, e Sócrates, que silenciam. Simpatizantes do CDS desculpam amigos e responsabilizam adversários. Comunistas e Bloquistas culpam acidamente a direita e desculpam envergonhadamente a esquerda. Todos, esquerdas e direitas, culpam o Banco de Portugal e Carlos Costa, a União, Juncker e Dijsselbloem. E não se metem com Draghi, porque é ele que nos compra a dívida. Os maus estão sempre lá fora e na oposição.

Depois há ainda outros fiéis, amigos e interessados. Amigos da Caixa, amigos do BCP, adeptos do BES, simpatizantes do Banco de Portugal, admiradores de um presidente da Caixa e seguidores do outro, de todos temos essencialmente a mesma versão, só mudando os protagonistas: os amigos têm razão, os outros não. E de muitos economistas, jornalistas, comentadores, professores e consultores de quem se esperava uma análise isenta e uma interpretação financeira e política, temos profissões de fé. As coisas não são muito diferentes das do futebol: o meu clube tem razão, os outros não. Ponto final. A análise, o comentário, o exame, a polémica e a interpretação vêm depois de garantida a culpa do outro e a bondade do meu!

As responsabilidades pela lamentável situação em que se encontra o sistema financeiro português devem ser imputadas a muita gente dos últimos cinco governos, incluindo dirigentes da Administração Pública e das instituições, gestores, banqueiros, funcionários públicos, magistrados, polícias e outros. Mas há certamente uns muito mais do que outros. Era tão importante atribuir responsabilidades! Era tão importante, para a democracia e as liberdades, saber quem é responsável pelo desastre inédito das instituições e das finanças portuguesas! Era tão importante castigar exemplarmente os verdadeiros culpados! Sejam eles primeiro-ministro, ministro, banqueiro ou gestor!

Mas será para sempre impossível. É o que parece. A maneira como falam as pessoas e os especialistas, como comentam os profissionais e os amadores, como se defendem e como atacam os políticos governantes e deputados, tudo isso leva a uma conclusão: nunca saberemos com o menor rigor! Nada entenderemos. E tudo pagaremos!

DN, 7 de Maio de 2017

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2 Comments:

Blogger Ilha da lua said...

A lamentável situação,em que se encontra o sistema financeiro português, tem alguns antecedentes que remontam ao tempo da nacionalização da banca e à sua posterior privatização Parece ser um assunto esquecido ou um perfeito tabu Talvez tivéssemos algumas surpresas se alguém resolvesse estudar esse período...

7 de maio de 2017 às 17:30  
Blogger José Batista said...

Tenho "inveja" deste texto de António Barreto.
Não me parece que lhe falte nada.
Nem sequer a previsão de que nada adianta colocar as questões que levanta. E que são meridianas.
Assim mesmo, ou talvez por isso mesmo, parabéns ao autor.
E obrigado.

7 de maio de 2017 às 19:54  

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