Sem emenda - Os sonsos e os vilões
Por António Barreto
A política e a atitude deste
governo, relativamente ao sistema financeiro, aos “casos” aflitivos, ao BES, ao
Novo Banco, à Caixa, ao Banif e ao Montepio, é parecida, talvez mesmo igual à
do anterior governo: não é nada com eles! É com o Banco de Portugal, com o
Banco Central Europeu, com a Comissão Europeia, com quem quiserem e sobretudo
com o anterior governo, menos com eles!
Já soubemos, por testemunho
directo e presencial, que o assunto nunca foi discutido seriamente no Conselho
de Ministros anterior, tudo levando a crer que o mesmo esteja a acontecer no
actual. É simplesmente inimaginável! O mais sério problema não é discutido no
governo, nem é agendado para Conselho de Ministros! A situação financeira, o
futuro do Banco de Portugal, o endividamento, o destino a dar aos principais
bancos e a nova configuração da banca portuguesa… Tudo isso é matéria que
escapa ao Governo. São assuntos sobre os quais os últimos governos não têm, ou
antes, não querem ter posição. São temas a propósito dos quais os governos não
querem ter responsabilidades. Mesmo que se diga que Portugal já não é um país
soberano, este não é o comportamento que se deva esperar do governo. Mesmo que
se saiba que nada se fará sem a decisão do BCE e da Comissão Europeia, esta não
é uma conduta responsável do governo.
Nunca se viu um tão grande número
de especialistas em finanças! Toda a gente sabe o que se passou no BES, no Novo
Banco, no Montepio, no BPN, no BCP ou na CGD! Toda a gente tem uma opinião sobre
o assunto. Mas há um problema: as opiniões vêm ligadas à simpatia. Os
socialistas apoiam as medidas tomadas pelos socialistas e subscrevem as críticas
feitas aos social-democratas. Os social-democratas, exactamente ao contrário.
Os amigos de Sócrates criticam antecessores e sucessores, designadamente Passos
Coelho e Maria Luís Albuquerque. Os amigos de Passos Coelho denunciam
sucessores e antecessores, nomeadamente Sócrates, Teixeira dos Santos, Costa e
Centeno. Os amigos de Costa culpam os antecessores, mas distinguem entre Passos
Coelho e Maria Luís Albuquerque, muito maus, e Sócrates, que silenciam.
Simpatizantes do CDS desculpam amigos e responsabilizam adversários. Comunistas
e Bloquistas culpam acidamente a direita e desculpam envergonhadamente a esquerda.
Todos, esquerdas e direitas, culpam o Banco de Portugal e Carlos Costa, a
União, Juncker e Dijsselbloem. E não se metem com Draghi, porque é ele que nos
compra a dívida. Os maus estão sempre lá fora e na oposição.
Depois há ainda outros fiéis, amigos
e interessados. Amigos da Caixa, amigos do BCP, adeptos do BES, simpatizantes
do Banco de Portugal, admiradores de um presidente da Caixa e seguidores do
outro, de todos temos essencialmente a mesma versão, só mudando os
protagonistas: os amigos têm razão, os outros não. E de muitos economistas,
jornalistas, comentadores, professores e consultores de quem se esperava uma
análise isenta e uma interpretação financeira e política, temos profissões de
fé. As coisas não são muito diferentes das do futebol: o meu clube tem razão,
os outros não. Ponto final. A análise, o comentário, o exame, a polémica e a
interpretação vêm depois de garantida a culpa do outro e a bondade do meu!
As responsabilidades pela
lamentável situação em que se encontra o sistema financeiro português devem ser
imputadas a muita gente dos últimos cinco governos, incluindo dirigentes da
Administração Pública e das instituições, gestores, banqueiros, funcionários
públicos, magistrados, polícias e outros. Mas há certamente uns muito mais do
que outros. Era tão importante atribuir responsabilidades! Era tão importante,
para a democracia e as liberdades, saber quem é responsável pelo desastre
inédito das instituições e das finanças portuguesas! Era tão importante
castigar exemplarmente os verdadeiros culpados! Sejam eles primeiro-ministro,
ministro, banqueiro ou gestor!
Mas será para sempre impossível. É
o que parece. A maneira como falam as pessoas e os especialistas, como comentam
os profissionais e os amadores, como se defendem e como atacam os políticos
governantes e deputados, tudo isso leva a uma conclusão: nunca saberemos com o
menor rigor! Nada entenderemos. E tudo pagaremos!
DN, 7 de Maio de 2017
Etiquetas: AMB
2 Comments:
A lamentável situação,em que se encontra o sistema financeiro português, tem alguns antecedentes que remontam ao tempo da nacionalização da banca e à sua posterior privatização Parece ser um assunto esquecido ou um perfeito tabu Talvez tivéssemos algumas surpresas se alguém resolvesse estudar esse período...
Tenho "inveja" deste texto de António Barreto.
Não me parece que lhe falte nada.
Nem sequer a previsão de que nada adianta colocar as questões que levanta. E que são meridianas.
Assim mesmo, ou talvez por isso mesmo, parabéns ao autor.
E obrigado.
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