28.5.17

Sem emenda - Quem deve teme

Por António Barreto
Nas vésperas da cimeira da NATO, em Bruxelas, o ministro português da defesa prestou declarações às televisões. Não terão sido esclarecimentos formais, em ocasião oficial, mas o tom é elucidativo. Confirmou o ministro, com um sorriso de boa fé, que era verdade que Portugal não cumpria os seus deveres para a segurança colectiva, nem sequer o compromisso mínimo estabelecido para a despesa com a defesa nacional que é de 2% do PIB. Mas disse também que era preciso considerar a nossa contribuição qualitativa! Esta última é um mistério. As ilhas atlânticas? O mar? As praias? Algo que seja só nosso e mais ninguém tenha? Ou um jeito português especial?

Dos 28 membros da NATO, apenas cinco cumprem: Estados Unidos, Grã-Bretanha, Polónia, Estónia e Grécia. Todos os outros ficam abaixo dos 2%. Como Portugal, com 1,3%. Menção especial para a França, com 1,7%, a Alemanha 1,2%, a Itália 1,1% e a Espanha 0.9%!

Infelizmente, Donald Trump tem razão. Diz ele que os Estados Unidos não estão dispostos a pagar pelos outros, sem que estes cumpram os seus compromissos. E ameaça os europeus. Não se sabe bem de quê, mas deve querer dizer coisa má. O problema é que, neste caso, está certo. Cada país membro da NATO tem de pagar pela sua defesa. A maior parte não paga os 2%. Preferem gastar com coisas mais agradáveis e entregar-se à protecção do poderio americano. A ideia é simples: tudo quanto ameaça a Europa ameaça também os americanos. Como estes são mais fortes e mais ricos, eles que se ocupem disso. E nem sequer a União tem uma política própria de defesa, muito menos uma capacidade autónoma.

Pode ainda recordar-se que, há quase vinte anos, a maioria dos partidos parlamentares (se bem me lembro, a única reserva foi do PCP…) acabou com o Serviço Militar Obrigatório. Sem mais. Sem qualquer espécie de ideia sobre o que poderia ser uma contrapartida civil ou de solidariedade. Na verdade, foi a boa demagogia da facilidade e as velhas juventudes partidárias que forçaram a decisão! Mas a ideia estava dada: não se gasta com a defesa, há coisas mais importantes. E de qualquer maneira, a NATO e os americanos estão aí para nos proteger.

Há actividades assim, em que alguém paga, alimenta ou mantém outrem! Eis uma relação que tem tradicionalmente um nome bem feio… E que se aplica às relações entre americanos e europeus na área da defesa.

Portugal não é um caso raro, nem pior do que os outros. Há mais de vinte países da NATO que não respeitam os compromissos nem cumprem as suas obrigações. Dependem dos Estados Unidos. Até ao dia em que Donald Trump lhes dirá: “Não pagam pela vossa segurança? Então deixaremos nós de pagar. Ou não garantimos a vossa liberdade. Ou então exigimos contrapartidas políticas!”. Nesse dia, toda a Europa, com excepção da Grã-Bretanha e pouco mais, se elevará contra a prepotência imperialista americana.

Esta atitude não está isolada. Faz lembrar a de tantos que entendem que os credores devem obedecer aos devedores e que aqueles a quem devemos dinheiro têm de fazer o que queremos e aceitar as nossas condições. Há quem faça disso um programa político: viver à custa dos outros! A defesa é paga pela América. As dívidas serão pagas pelos credores. Os investimentos pelos europeus. Os estrangeiros que paguem a nossa protecção. Devem também pagar os juros e as dívidas, assim como aceitar a renegociação e o perdão da dívida. E devem subsidiar o desenvolvimento. Há mesmo quem queira obrigar os estrangeiros a pagar pela educação em Portugal, dado que depois se aproveitam dos emigrantes portugueses, cuja formação foi paga pelo país. É tão conveniente ter o nosso patriotismo pago por outros! E a independência subsidiada!

            Os povos e os Estados têm o direito de não pagar a defesa, nem as Forças Armadas. Como têm o direito de pedir emprestado a fim de financiar os seus investimentos. Não têm é o direito de exigir que outros os defendam, que outros paguem os seus militares e que outros arrisquem a vida em sua defesa. Nem têm legitimidade para exigir que lhes paguem ou perdoem as dívidas. Em poucas palavras: não têm o direito de viver às custas dos outros, ao mesmo tempo que reclamam a independência e o direito a ser tratado como igual. Até porque não são iguais. Nem independentes.

DN, 28 de Maio de 2017

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2 Comments:

Blogger SLGS said...

Sempre lúcido! Subscrevo.

28 de maio de 2017 às 14:53  
Blogger Bmonteiro said...

Da lucidez de um sociólogo amador, e comentário ao artigo, na empresa-café do bairro, esta manhã-o Grumete do Restelo, perto do redundante Chief Of Defense.
A) A UE/Europa-Defesa & Segurança, não existe como poder de facto-não quer, não sabe ou não pode. Para a Segurança no território, sem falta de meios-veja-se a dimensão portuguesa da PSP, GNR e entidades afins! Mini-corporações, sem um Comando/Direcção comum ou única.
B) Para a Defesa, onde Mr Trump terá alguma razão, mas enviesada: O sector Defesa-USA, serve para defender o País aonde, senão no seu 'Ultramar'? Tem a Europa, algum desígnio ou domínio para 'defender' no exterior? Poderá ter, se adoptar uma posição semelhante à da Grã-Bretanha. Alinhamento puro c/USA,sem qq laivo de independência.
Uma vintena de exércitos, há muito transformados em corporações de bem estar para os seus membros. Veja-se o caso Portugal: um MDN com 4 generais de 4 estrelas-na Alemanha (e Canadá), um Gen4*.
Orgânica dos ramos, há anos copiada pela GNR com o MAI António Costa-aumento exponencial de quadros e generais.
C) Da Europa, ou Europas, Portugal utilizou ate aos anos 70/XX, o avião Nord-Atlas, francês. Sem vontade de o desenvolver, rendidos aos Hércules USA, Portugal agora em vias de os continuar ou optar pelo novo Embraer brasileiro em produção em Évora? A Europa militar, sem capacidade de replicar o sucesso do Airbus. Why?
D) A NATO/OTAN do pós-II GG tem razão de ser? Uma UE poder de facto, não teria de equacionar os seus grandes interesses, na óptica de uma Europa do Atlântico aos Urais, sonhada por De Gaulle?
A NATO/Bruxelas, tornada poiso de milhares de quadros com uma finalidade: bem instalados, em comissões fora dos seus países de origem. Ajuda na carreira e na carteira.

28 de maio de 2017 às 21:56  

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