O EPITÁFIO
Por Joaquim Letria
O epitáfio é o cartão de visita daquele que se despede. Os
românticos tinham a vida facilitada. Quando amanheciam melancólicos, ou se
suicidavam ou escreviam o seu epitáfio. Graças aos românticos os cemitérios são
hoje depósitos de vacuidade, torcidos e tremidos da língua.
Isabel I de Inglaterra escreveu no seu testamento: ”Não me
agradam os epitáfios pomposos. Desejo que o meu seja resumido numa linha ou
duas, recordando sucintamente o meu nome, a minha virgindade, a duração do meu
reinado, as reformas para que contribuí, no respeitante à religião e à
salvaguarda da paz”.
Mas se Isabel I era uma rapariga simples e modesta, já
Pascal era pedante mesmo depois de enterrado. Pelo menos assim o demonstra o
texto que reza no seu túmulo: ”Medi a imensidão dos céus, as sombras da terra;
o meu espírito descendia dos deuses, aqui repousam as minhas cinzas.”
Já o imperador José II da Áustria reconhece no seu epitáfio
as desditas que conheceu ao longo da sua vida: “Aqui jaz José II, que foi
desgraçado em todas as suas empresas”.
Passear por um cemitério, de tempos a tempos, torna-nos
muito mais razoáveis. Vemos onde tudo acaba e torna pueris muitas das nossas
preocupações, ambições, conflitos e desditas. É raro, pelo menos muito
difícil, encontrar uma expressão de sentimentos que resista ao tempo e,
sobretudo, à credulidade. Quase sempre, sobre o ridículo e a hipocrisia, paira
sobretudo uma grande falta de sinceridade.
O homem acaba tão frágil que pensa ser possível continuar a
mentir depois de morto, como se todos os vivos fossem estúpidos. Foi Giovanni
Mosca quem sonhou com a sinceridade impossível:
“Nas lápides só se escrevem mentiras. Se alguém tivesse a
coragem de escrever a palavra ‘desavergonhado’ no túmulo de um sem-vergonha,
abater-se-ia sobre os cemitérios uma onda de sinceridade e os homens morreriam
tremendo perante o pensamento dos seus delitos eternizados na pedra”.
Duvido que tal venha a acontecer. Até porque cada vez mais
se morre menos. Deixa-se é de aparecer…
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Publicado no Minho Digital
Etiquetas: JL
1 Comments:
Fabuloso. Parabéns.
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