20.10.18

Os robertos de Tancos

Por Antunes Ferreira
Uma opera buffa não conseguiria ser pior do que o famigerado caso do desaparecimento-aparecimento das armas de Tancos. Nem sequer uma tenda derobertos se poderia assemelhar ao folhetim estapafúrdio que pôs de rastos o Exército português. Pelo menos na minha meninice quando os saltimbancos armavam nos passeios as quatro varas sobre as quais estendiam os panos atrás dos quais moviam as marionetas rudimentares os putos que nós eramos divertíamo-nos com a algaraviada das personagens e pagámos os cinco tostões que era o preço que podíamos dar pelo espectáculo.
A instituição castrense não pode ser uma brincadeira e este tristíssimo caso infelizmente tem todas as características disso. Perante ele o público – ou seja os cidadãos –  parece estar a assistir a um filme cómico sem Charlot mas com militares e uns quantos civis todos no palco como diria o José Estebes “tudo à molhada e fé em Deus”. Só que aqui não se tratou do “Bamos lá, cambada”; bem pelo contrário foi uma encenação que devastou uma instituição cuja seriedade e galhardia não pode ser posta em causa. E foi.
Cada dia que passa vai acrescentando novos pormenores a este complicadíssimo assunto e agravando o que já era e é gravíssimo. As cabeças que já rolaram não servem de atenuante muito menos de exemplo. Um qualquer exército tem forçosamente que respeitar o princípio da hierarquia. É ela que está na base da sua organização. Subvertê-la é por si só um crime. Vão longe os sovietes de soldados e marinheiros da revolução russa de 1917 e viu-se o que isso deu. Não se pode repetir uma experiência tão amarga, ainda que se tentasse em vários países que isso acontecesse.
Este mirabolante toma lá dá cá de armamento veio acrescentar ao início do descrédito do Exército com o que acontecera no curso de comandos em 2016 com a morte dos soldados Hugo Abreu e Dylan da Silva um  preocupante criticismo da população sobre os militares. Não posso falar e ódio porque seria demasiado, mas quando a dúvida se instala tudo pode vir a acontecer.
Eu próprio estive nas fileiras como oficial miliciano cinco anos dezoito dias e umas quantas horas por motivos políticos.  Chamaram-me comunista, embora o não fosse (e se o fora não me cairiam os parentas na lama…) mas, por incrível que pareça foi oficial da PJM, a Polícia Judiciária Militar – que não tinha nada que ver com esta que agora está na merda.
Por isso me custa assistir a este episódio degradante. Na tropa aprendi uma série de virtudes e também de maldades. Não enjeito esse longo período em que tive que comandar homens e levá-los quem sabia se até à morte. Um morreu-me em plena mata nos meus braços. É experiência que não desejo a ninguém. Fiz amigos e entendi o que quer dizer solidariedade. 
O que está a acontecer é impossível – mas está a acontecer.  

Etiquetas:

1 Comments:

Blogger SLGS said...

Subscrevo esta crónica, faço no entanto uma pequena chamada: "Vão longe os sovietes de soldados e marinheiros………………….Não se pode repetir………."

Em Portugal, com péssimas consequências, repetiu-se. Quem se não lembra dos SUV?


Parece que o Exército não tem emenda. Eu, como Oficial Miliciano, também servi seis anos e tal, vivi a guerra e...depois do 25 de Abril, deixei dos compreender, apesar de apoiante do movimento, que vivi intensamente.

23 de outubro de 2018 às 17:20  

Enviar um comentário

<< Home