21.1.19

Grande Angular - A política de proximidade, a democracia distante

Por António Barreto 
É um dos grandes mitos da política contemporânea: os políticos estariam cada vez mais distantes dos eleitores e mais longe do povo! Parece ser o mal de qualquer país ocidental. É uma das explicações mais banais para os problemas actuais da política.
Nada é menos verdade! Nunca os políticos estiveram tão perto dos eleitores. Dirigem-se aos cidadãos em qualquer dia e a qualquer hora. Passam grande parte dos fins-de-semana em viagem pelas freguesias e em visita pelos distritos. Vão a inaugurações, lançamentos, primeiras pedras e aniversários de nascimentos ou de mortes. Deixam placas comemorativas em cada esquina. Não faltam aos acidentes, desastres, mortos, quedas, incêndios, naufrágios e enterros. Fazem reuniões deslocalizadas, descentralizam, desconcentram, abrem presidências e conselhos de ministros, estabelecem roteiros de jovens, de velhos, de estudantes, da ciência, dos pobres e de tudo quanto mexe. Vão aos desafios de futebol, condecoram os desportistas, assistem a missas (mesmo não sendo crentes), distribuem medalhas, a cada volta dão um giro e passam pelo partido. Fazem-se acompanhar por jornalistas sempre prontos para o movimento e levam colossais comitivas de comunicação a qualquer parte do país ou do estrangeiro. Pagam transporte e alojamento. Dão entrevistas breves, pequenas, médias, longas e de uma vida, assim como grandes entrevistas e conversas informais. Jornais, dezenas de canais televisão e rádio, redes sociais, telemóveis, telefones, computadores e todas as vias imagináveis são frequentadas com assiduidade. As entrevistas rápidas e as declarações à porta de qualquer lugar público são aos milhares. Os chefes de partido e os ministros são os mais próximos de todos, os que mais frequentemente aparecem nos comícios de sexta-feira, nas inaugurações de sábado e nas sessões de esclarecimento de domingo.
Nunca, como hoje, houve tantas emissões em directo e em “prime time”, ou “horário nobre”, com declarações políticas, debates entre políticos fora ou dentro do Parlamento, transmissões de sessões de comissões de inquérito ou não e audiências parlamentares de toda a espécie. Olhe-se com olhos de ver para os costumes parlamentares e televisivos de há trinta ou quarenta anos: era o silêncio das abadias ao lado das romarias de hoje.
Tudo isto contribui para que nunca, como hoje, os políticos estivessem tão perto dos cidadãos e os eleitores tão próximos dos políticos. Tão perto e tantas vezes. Nunca, como hoje, os políticos perderam e gastaram tanto tempo a contactar as populações, a fazer reuniões em todos os sítios, a viajar em aviões, comboios e autocarros rodeados de pessoas e jornalistas. Nunca, como hoje, foi tão fácil a qualquer pessoa, amigo ou inimigo, apoiante ou adversário, falar com um político, contactar um deputado ou um secretário de Estado. Não deve haver cidadão em todo o país que não tenha estado meia dúzia de vezes com o Presidente, o Primeiro-ministro, o ministro, o secretário de Estado, o deputado e o presidente da Câmara. Nunca, como hoje, houve literalmente milhões de pessoas que guardam pelo menos uma fotografia em companhia do presidente, do ministro ou do chefe de partido.
Os grandes temas, as grandes orientações para os novos políticos e para os novos democratas são as políticas de proximidade. Tudo se resume a esta formidável etiqueta, “proximidade”. Saúde de proximidade. Justiça de proximidade. Educação de proximidade. Urbanismo de proximidade. Protecção civil de proximidade. O que tem como imediato resultado a demagogia, sobretudo a dos orçamentos de proximidade e dos orçamentos participativos. As inaugurações são quotidianas e repetem-se, sobretudo em anos eleitorais, tudo em nome da proximidade. Sucedem as reportagens de televisão (cujas estações se prestam miseravelmente ao propósito), com rostos atrás do protagonista do dia. Anuncia-se tudo: o anúncio, a primeira pedra, o primeiro dia de obra, a avaliação, o acompanhamento, a preparação da inauguração e a inauguração.
Então… por que não funciona? Pelo carácter mecânico e artificial. O político pensa e fala como um vendedor de produto. A sua proximidade com o cidadão é preparada. Mediatizada por jornalistas, agências de comunicação, encarregados de relações com a imprensa e empresas de eventos. Sabe-se as horas e a duração do encontra casual, estabelece-se o roteiro informal, quem quiser encontrar por acaso o povo ou o político sabe-o com antecedência. O artificialismo destrói a sinceridade. As arruadas de campanha eleitoral permitem encurtar distâncias, aproximam políticos e cidadãos, são totalmente destituídas de um qualquer sentido, de reconhecimento ou de conteúdo. São excelentes substitutos das sessões de esclarecimento do século passado ou até dos comícios: numas e noutros, apesar da demagogia, era necessário pensar, informar e falar. Com as arruadas, estamos próximos das feiras e das romarias. É sobretudo necessário sorrir, agradecer e beber um copo.
Aquilo de que muitos verdadeiramente se queixam não é da distância, é de os políticos não lhes darem o que querem, o que prometeram e o que deveriam dar. As expectativas criadas e as necessidades estimuladas pela política de massas, de encontros populares permanentes, de populismo moderado e estabelecido, essas ambições permitem aos eleitores desejar tudo, saúde, educação, emprego, subsídios, estradas, creches e obras. São enormes as ambições, mas absolutamente impossíveis de satisfazer em tempo de vida seja de quem for. Mas são essas promessas não cumpridas, essas expectativas não satisfeitas, que criam esta ilusão de distância, que criam as bases deste mito. A saúde dos Noruegueses, a educação dos Finlandeses, as estradas dos Alemães, os empregos dos Americanos, os direitos sindicais dos Franceses e as férias dos Ingleses são direitos inalienáveis dos cidadãos Portugueses. Quem lhes faltar com isso, não cumpre os seus deveres. Ora, os nossos políticos prometem tudo isso.
Em contraste com os políticos, que estão cada vez mais perto e junto dos eleitores, são as decisões que estão cada vez mais longe, mais distantes, mais incompreensíveis, em Bruxelas, em Berlim, nos centros financeiros, em Washington, em Pequim, talvez em Moscovo. Este paradoxo da proximidade dos políticos em contraste com a distância da decisão pode ser fatal para os políticos. Talvez o seja também para os cidadãos!
 Público, 20.1.2019

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3 Comments:

Blogger Ilha da lua said...

Quando li este artigo do Prof.António Barreto,dei comigo a pensar, que os políticos, na verdade,pelas razões que o Professor, tão bem explica,estão mais perto do povo,mas a política, essa está muito distanciada do mesmo povo.
Faz-me lembrar,as amizades das redes sociais,em que,sem mais nem menos,algumas pessoas têm milhares de amigos.
Tudo é tão superficial,tudo é tão leve e sorridente.Tantos beijos e abraços,tantos pastelinhos,queijos, fumados e vinhos provados com tanto apetite...Tantas fotos,tantas selfies...tantas declarações ditas da boca para fora,tantos aplausos,tantas perguntas vazias e disparatadas respondidas de forma tão assertiva.
Tem graça,que esse mesmo povo, recebe,assim festivamente os representantes de todos partidos .
Como na velha canção do Zeca Afonso,os políticos perceberam,que "O que faz falta é animar a malta"
E, a malta que os recebe com tanta satisfação é a mesma que vocifera.."são todos iguais...o que eles querem é governarem-se...e,por isso mesmo se abstem nas eleições.
Os políticos,sorridentes sabem,de antemão ,que não vão cumprir as promessas feitas ao eleitorado,mas como não lhes dão muita importância,sabem que limparão a face com mais umas arruadas,umas inaugurações,mais umas entrevistas a jornalistas pouco preparados,ou demasiado preparados para servirem alguns interesses instala
dos.
Antes de ler esta crónica,li uma notícia,(mas,até a transmito, com receio,pois já tenho dificuldade em saber quais são as fontes fidedignas).Pois,segundo li,Portugal sofreu um retrocesso no que diz respeito à mortalidade infantil.No ano
passado (2018)foi registado um aumento de 26 por cento em comparação com o ano anterior.Como sabemos,Portugal era apontado como um exemplo,na redução desta taxa de mortalidade.
Mas,como hoje é segunda-feira,os telejornais deverão ocupar mais tempo a falar de futebol,ou,na espantosa viagem de Marcelo,como pendura de um camionista numa viagem de 300Km.
Como defende o Professor,os políticos exercem uma política de proximidade porque,fisicamente,vão at´junto das populações.Mas,só fisicamente...Por isso,continuo a pensar,que esta proximidade tão superficial,tão pouco verdadeira e responsável gera um divórcio entre eleitores e eleitos.

21 de janeiro de 2019 às 16:04  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

«(...) Não terá havido, acima de tudo, um claro e perigoso “descolar” dos eleitos face aos eleitores?
E por esse mundo fora quantos deputados, ministros, autarcas, dirigentes partidários e sindicais (que mal saem dos seus gabinetes e sedes) conhecem — sem ser de “ouvir falar” — o dia-a-dia e as dificuldades do cidadão comum que, por sinal, lhes paga ordenado, quando não as mordomias?
Quantos deles sabem o que é estar um dia inteiro numa sala-de-espera da Segurança Social, 6 horas nas urgências hospitalares, umas quantas nas Finanças, nos CTT ou num Centro de Saúde?
E quantos deles alguma vez trabalharam numa empresa da “economia real”, gastando horas em transportes, com a obrigação de picar o ponto, aturar colegas invejosos e chefes incompetentes, ter de justificar até um pedido de uma esferográfica, lutar por um aumento de ordenado (ou mesmo pelo posto de trabalho)... — enfim, tudo aquilo que faz a vida real de uma pessoa normal? Alguns, talvez; mas não muitos, certamente.
Todos os pesadelos que atrás referi (e quantos mais!) senti-os eu na pele, quando morava e trabalhava em Lisboa. Felizmente, em Lagos, a vida é mais pacata, mas também aqui sinto que os governantes da cidade se afastaram dos munícipes, com quem se relacionam de uma forma distante (ou mesmo sobranceira), exibindo uma auto-satisfação que apenas se pode tolerar aos génios e aos super-competentes — o que, pelo menos a meu ver, não é o que temos, por estes lados...»
.
Da crónica "Atenção aos sinais!", a publicar no CORREIO DE LAGOS de Fevereiro 2019.

21 de janeiro de 2019 às 16:14  
Blogger Ilha da lua said...

Talvez,seja mesmo isso Um descolar dos eleitos face aos eleitores! Os eleitos tornam-se uma casta à parte,longe dos problemas do quotidiano dos eleitores

21 de janeiro de 2019 às 16:32  

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