20.2.19

A Duração das Consultas Médicas

Por Filomena Mónica
A Ordem dos Médicos decidiu apresentar, para discussão pública, uma proposta no sentido de as primeiras consultas dos médicos de família terem uma duração padrão entre os 30 e os 45 minutos. Como diz o Dr. Miguel Guimarães: «O médicos têm de ter tempo para explicarem muito bem ao doente a sua situação clínica e o que vão fazer» (Público, 11.2.2019). Antes, informarajá o público que «mais de 50% do tempo é utilizado para estar a escrever no computador ou à procura de uma impressora que funcione» (Lusa, 26.10. 2018). Isto é aberrante.
Como é óbvio, o doente tem de confiar naquele, homem ou mulher, de quem depende a sua vida. Ora, para que isto se verifique é preciso tempo: não só para a primeira consulta, mas para acompanhar o doente ao longo da vida. Não, não basta o «histórico» gravado no sistema informático. O computador pode fornecer indicações sobre os resultados de exames clínicos, mas não proporciona o essencial, isto é, uma boa relação médico-doente.
 É por julgar que isto é essencial que o protagonista da minha série de televisão favorita, Dr. House,jamais seria por mim escolhido. Claro que, no ecrã, ele é fascinante – há muito que admiro o actor Hugh Laurie - mas o facto de ele considerar que a pior coisa que lhe poderia acontecer na vida era obrigá-lo a falar com um doente ou com um familiar, torna-o incompetente. House poderá ser um génio do diagnóstico, mas isso não basta. Não se trata de criar uma relação de amizade com os doentes – o que seria prejudicial – mas de os encarar, não como um amontoado de órgãos, mas como seres humanos. Já agora, recomendo a leitura da obra de Adam Kay, This Is Going to Hurt: Secret Diaries of a Junior Doctor(Londres, Picador, 2017). 
Não é fácil ser-se médico. A intuição clínica exige muitos anos de pratica, incluindo a recordação dos momentos em que se falhou um diagnóstico. De acordo com um relatório feito nos EUA, em 1995, cerca de 15% dos diagnósticos são inexactos, o que não quer dizer que se tenha verificado negligência, mas apenas que os médicos são humanos e que, nessa medida, nem sempre acertam (J. Groopman, 2007, pag.24). Seja como for, convém que não se sintam pressionados pela fila de doentes na sala de espera.
Com sorte, o doente acabará por confiar naquele ser de bata branca de quem depende a sua vida. Mas não basta uma primeira consulta alargada, é ainda preciso um acompanhamento dilatado no tempo. Infelizmente, o que muitas vezes sucede entre nós é ser o doente visto pelo médico que está à mão de semear. O ambiente que se vive em certos hospitais e centros de saúde, onde a moda consiste em tudo «racionalizar», não é propício a uma boa relação. Sei que existem desperdícios, tal como sei que existem doentes insuportáveis, mas os administradores destas instituições têm de aceitar que, independentemente do que consideram uma boa gestão, cabe aos médicos decidir o tempo de uma consulta. Nem o hospital nem o centro de saúde são cadeias de montagem.
Expresso de 17 Fev 19

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2 Comments:

Blogger Ilha da lua said...

Sendo importante ,o histórico gravado no computador,é,certamente,mais importante para o doente,que o profissional de saúde (médico/a) lhe dê atençãoPara isso,ê necessário tempo.Muitas vezes a pressão das filas de espera ê grande Muitos pacientes,ainda nem sequer têm mêdico de família Outros,(e,são bastantes)são iletrados,necessitando,de uma atenção especial,explicando-lhes em linguagem acessível as suas doenças Na verdade é preciso tempo,e uma grande humanidade Estou convencida,que uma melhor organização dos Centros de Saúde,bem como serem dotados de alguns meios de diagnóstico,não só beneficiaria o doente,como as urgências hospitalares, que ficariam mais descongestionadas

20 de fevereiro de 2019 às 18:13  
Blogger José Batista said...

Não podia estar mais de acordo.
Felicito a autora. E agradeço (porque é preciso que muitas pessoas com voz e não médicas ou da área da saúde afirmem e exijam o que devia ser norma).

20 de fevereiro de 2019 às 21:38  

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