5.9.19

O Acordo Ortográfico de 1990 (AO-90) e a incurável azia

Por C. Barroco Esperança

Quem conhece a única grande alteração e uniformização da língua portuguesa, efetuada pela Reforma Ortográfica de 1911, não devia solidarizar.se com manifestações de raiva que a perda de algumas consoantes mudas e outras alterações tímidas provocaram numa sociedade avessa à mudança, independentemente da validade dos argumentos.

O misoneísmo, palavra cunhada pelo psicologista italiano César Lombroso, esse horror à novidade, está bem entranhado nos portugueses.
A Reforma Ortográfica de 1911, a primeira iniciativa de normalização e simplificação da escrita da língua portuguesa, foi profunda em Portugal, numa altura em que o Brasil facilmente a aceitou e as colónias não participavam.
Tenho enorme consideração por muitos dos que não toleram as pequenas alterações que o AO-90 introduziu, sobretudo quando se trata de cultores da língua, de prosa imaculada na sintaxe e na ortografia que mantêm, mas vejo neles a mesma exaltação de Fernando Pessoa e Teixeira de Pascoais cuja ortografia que estes defendiam repudiariam agora.
A ortografia é uma convenção imposta por lei sem sanções penais, salvo para os alunos, que se arriscam a reprovar se não escreverem como está oficialmente determinado.
Aos autores da Reforma Ortográfica de 1911, que hoje já ninguém contesta, coube-lhes pôr fim à anarquia ortográfica do país, com 80% de analfabetismo, quando os países do norte da Europa tinham entre 2% e 10%, e normalizar a ortografia. Eminentes filólogos discutiram se deviam seguir o modelo francês, fortemente dependente da etimologia, ou o espanhol e italiano, que seguiam de perto a oralidade.
Optaram por revogar falsas etimologias e, condescendendo com a origem das palavras, deram especial preferência à oralidade, caminho que embora tímido esteve presente no AO-90.
Há muito que as palavras homógrafas não são necessariamente homófonas, mas duvido que os críticos mais cultos tenham dificuldade em distinguir a fonia da que perderam os acentos e cujos exemplos caricaturais não passam disso mesmo.
Lamentável é ver as redes sociais, até jornais, com inúmeros detratores do AO-90, que explodem de raiva na mais boçal prevaricação ortográfica e ignorância de elementares conhecimentos básicos do idioma cuja ‘nova’ ortografia condenam sem respeitarem a anterior.
Definida uma grafia, que alguns julgam facultativa, depois de vários anos a ser ensinada de acordo com a lei, qualquer tentativa de regresso é o apelo à anarquia ortográfica e um rombo na estabilidade do idioma e das normas jurídicas que o definem.
Já é tempo de os jornais que cultivam o imobilismo subversor da legalidade ortográfica se submeterem.
Deixemos a Bolsonaro, esse vulto da cultura luso-brasileira, a iniciativa de revogar um acordo que exige a anuência de todos os que o celebraram.
Ponte Europa / Sorumbático

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11 Comments:

Blogger 500 said...

Por mim, dispenso o AO-90.

5 de setembro de 2019 às 18:37  
Blogger José Batista said...

Discordo completamente. O AO-90 não resolve nenhum problema da língua, antes pelo contrário. Sou dos que pensam que devia ser revogado. E quanto mais tarde isso acontecer pior.

5 de setembro de 2019 às 22:27  
Blogger Carlos Esperança said...

O AO-90 subscrito por Cavaco Silva em S. Bento e, por coincidência, ratificado por ele, em Belém, está a ser aplicado há 9 anos nas nossas escolas.

Será tolerável criar uma anarquia ortográfica que a anulação do AO, um processo complexo e moroso no campo diplomático, provocaria?

6 de setembro de 2019 às 00:12  
Blogger Ilha da lua said...

Completamente de acordo com a opinião do José Batista

6 de setembro de 2019 às 00:43  
Blogger Basket-Spot said...

O AO90 começou a ser aplicado nas escolas no ano lectivo 2011-12 e só se tornou plenamente obrigatório em 2015 quando acabou o período de transição. Isso nas suas contas dá 9 anos? Desista de escrever sobre este assunto, já levou "tareia" suficiente no outro blogue.

6 de setembro de 2019 às 04:31  
Blogger José Batista said...

Caro CMR: a anarquia está criada e vai agravar-se. Melhor cortar o mal quanto antes.
Faço minhas as palavras de Pacheco Pereira em Maio de 2016, no jornal «Público»:
»Se há “reversão” que se exige do governo é a do Acordo Ortográfico, obra de políticas de facilidade, destinadas a resolver problemas complexos com um truque de engenharia política imposto por governantes cuja relação com a língua e a cultura portuguesa é, para não dizer outra coisa, de bastante indiferença. As divergências de ortografia com o Brasil, o grande argumento para o Acordo, têm a ver com coisas muito diferentes de uma norma. Têm a ver com a pujança do português do Brasil, empurrado por uma sociedade dinâmica e aberta a muitas outras línguas e influências, que nunca conseguiremos domar com um Acordo deste tipo. Bem pelo contrário, é bom para o português como língua que ele tenha como locomotiva o Brasil, que nos enriquece pela sua diferença, enquanto que o português de Portugal pode permanecer o cânone cultural da língua, fiel às suas origens latinas, e transportando uma história que vale muito mais para a cultura brasileira do que uma variante mortiça da ortografia abrasileirada, escrita a contragosto e sem chama. O português é o português e é uma enorme vantagem cultural, mesmo no mercado competitivo da cultura, que ele permaneça na sua ortografia fiel às suas origens latinas. O Acordo é mais um dos aspectos do desprezo pela cultura das humanidades que caracterizou estes últimos anos. De Santana Lopes e Sócrates a Passos Coelho e, se não fizer nada, a Costa.»

6 de setembro de 2019 às 08:42  
Blogger Carlos Esperança said...

Basket-Spot:

O AO-90 entrou oficialmente em vigor em 1 de janeiro de 2009, portanto há 9 anos, 8 meses e 6 dias.

Desconheço que as escolas só o tenham aplicado quando refere. Deixei o ensino há 46 anos, depois de ter durante 10 anos ensinado a ler muitas dezenas de crianças e adultos. Até na guerra colonial.

6 de setembro de 2019 às 13:52  
Blogger Basket-Spot said...

Mais uma vez, fala do que não sabe. O AO90 só entrou plenamente em vigor a 13 de Maio de 2015 quando terminou o período de transição em que, inclusivamente nas escolas, eram permitidas as duas grafias. O próprio Estado só começou a aplicação a 1 de Janeiro de 2012 pela Resolução do Conselho de Ministros 8/2011.
O resto que refere não interessa para o caso nem a mim pessoalmente.
Além disso, vejo que apesar de ter corrigido "sansões" como lhe indiquei no outro blogue, continua a afirmar que o Brasil aceitou «facilmente» a reforma de 1911 quando, por nela não ter participado, nunca a adoptou.
E acaso sabe que Angola e Moçambique não ratificaram o AO, e que Guiné-Bissau e Timor-Leste nunca concluíram formalmente os seus processos? Pois, não sabe. Porque insiste em falar de algo que não conhece?

6 de setembro de 2019 às 15:18  
Blogger Carlos Esperança said...

Basket-Spot:

Não adianta para a discussão repetir que falo do que não sei, tantas são as coisas que ignoro.

Votos de um bom fim de semana e obrigado pelos seus comentários.

6 de setembro de 2019 às 17:20  
Blogger José Batista said...

Ó diacho, ali acima, queria ter-me dirigido a CBE e escrevi CMR. É do hábito... A ambos as minhas desculpas. Um abraço.

7 de setembro de 2019 às 15:15  
Blogger Carlos Esperança said...

José Batista:

Ambos percebemos, CMR e eu. Não tem de que pedir desculpa.

7 de setembro de 2019 às 17:01  

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